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A decisão anunciada por gigantes do setor de alimentação de comprar apenas ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas a partir de 2025 acendeu o sinal de alerta na avicultura de postura brasileira. Embora reúna todas as condições técnicas, científicas e econômicas para promover a transição de modelos até lá, o setor nacional de postura terá que apertar o passo, já que 95% das granjas ainda operam com sistemas convencionais.
Para o professor Iran José Oliveira da Silva, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Ambiência (Nupea), do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ/USP), um dos principais especialistas no assunto no Brasil, o tema já vem sendo discutido com os produtores, mas de maneira incipiente.
“O setor brasileiro de postura ainda é muito carente de informações. Existe a necessidade de esclarecimento e, principalmente, de um balizamento sobre o que se pode fazer em relação ao bem-estar animal das poedeiras”, afirma.
Segundo Iran, um dos principais desafios para a conversão do sistema atual para o livre de gaiolas é desenvolver um modelo próprio, que respeite as características da produção brasileira. “O Brasil deve aproveitar a experiência de outros países, mas precisamos construir um modelo próprio, que leve em consideração às particularidades de nossa avicultura”, explica.
Nesta entrevista, o coordenador do Núcleo de Pesquisa em Ambiência da Esalq/USP fala, entre outros assuntos, sobre como andam as discussões acerca da adoção de sistemas livre de gaiolas no Brasil, avalia se setor está preparado para fazer essa transição e comenta os desafios que os produtores terão que enfrentar para atender a essa nova exigência dos consumidores.
Os melhores trechos da entrevista você confere a seguir.
aviNews – A pressão para que as empresas brasileiras de postura adotem sistemas livres de gaiolas parece estar aumentando. Sobretudo depois que gigantes do setor de alimentação, como Mc Donalds, Subway, Spoleto, Sodexo, Burger King, anunciarem o compromisso de, até 2025, trabalharem apenas com ovos provenientes de sistemas livres de confinamento. Como anda essa discussão no País? O setor está preparado para fazer essa transição?
Iran José de Oliveira da Silva – O setor brasileiro de postura ainda é muito carente de informações. Existe a necessidade de esclarecimento e, principalmente, de um balizamento sobre o que se pode fazer em relação ao bem-estar animal das poedeiras. Não se trata apenas de retirar as galinhas das gaiolas e passar para um sistema free range ou cage free. A princípio, é imperativo promover uma avaliação dos custos econômicos, ou seja, do impacto técnico e financeiro que essa mudança vai gerar na produção, além da necessidade de esclarecer para o produtor os benefícios que a adoção de um sistema de maior bem-estar animal vai trazer para seu negócio. Para ser bem executada, essa mudança tem que ser gradual, respeitando as características da produção brasileira.
AN – E como tem se comportado o produtor brasileiro frente a essa exigência? Ele tem se mostrado receptivo à necessidade de transição para modelos mais modernos?
Iran – Predominantemente a avicultura de postura é bastante resistente a mudanças. Como ainda não há uma diretriz clara sobre o que fazer, o produtor, muitas vezes, se mostra reticente quanto à necessidade de mudanças e a promover a transição para modelos livre de gaiolas. Atualmente no Brasil 95% da avicultura de postura ainda opera com sistemas convencionais. É claro que temos os outros 5%, que são empresas que já se estabeleceram nos sistemas alternativos, que criam suas galinhas soltas. Essas empresas vêm ganhando mercado, já existe no País um nicho de consumidores que paga por isso, mas esse movimento ainda é incipiente.
AN – Há algum trabalho sendo feito para conscientizar os produtores brasileiros sobre a necessidade de adoção de sistemas que garantam maior bem-estar às aves?
Iran – Sim, esse trabalho é liderado pela Esalq/USP e Embrapa Suínos e Aves, apoiado por um projeto do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Todos estão empenhados na elaboração de uma norma específica e no estabelecimento de diretrizes que possam orientar os produtores, em médio e longo prazo, na adequação dos sistemas de produção. Também não podemos deixar de considerar o trabalho eficiente das Organizações Não Governamentais, as ONGs, que atuam junto às empresas e aos produtores, levando informação, desmistificando o bem-estar animal, e conscientizando o setor produtivo sobre a necessidade de garantir sistemas de maior bem-estar animal às aves de postura. Esse trabalho vem sendo feito a várias mãos e está ganhando corpo.
AN – O senhor acredita que o fato de grandes redes do setor varejista e de fast food adotarem a postura de comprar ovos apenas de sistemas livre de gaiolas vai acelerar a transição para outros modelos de criação no Brasil?
As pessoas estão cada vez mais preocupadas e exigentes com questões como bem-estar animal, qualidade e sanidade dos alimentos. Esse é um caminho sem volta.
Nenhuma empresa hoje tem condições de se opor a essas exigências. Então, é óbvio que as empresas do setor vão se posicionar a favor do aumento das condições de bem-estar animal. Até por uma questão de sobrevivência. Acredito que essa postura das redes de varejo e alimentação vai funcionar como um indutor, um estímulo, para transição de modelos no Brasil.
AN – Na opinião do senhor quais os principais desafios para as granjas brasileiras promoverem a transição para modelos mais adequados sob o ponto de vista do bem-estar animal?
Iran – Acredito que o primeiro grande desafio é pensar na indústria do ovo como um grande negócio. Ter uma visão empreendedora, enxergar e entender as oportunidades que sistemas com maior bem-estar animal proporcionam, tanto do ponto de vista produtivo como comercial. Muitas vezes, isso parece ainda não estar claro na cabeça do produtor. Não é difícil encontrar novos aviários sendo construídos para adoção do sistema convencional. O produtor investe R$ 100 mil num sistema que hoje é considerado ultrapassado. Sendo que esse investimento poderia ser direcionado para sistemas mais modernos, mais alinhados aos anseios da sociedade. Isso demonstra que ainda há falta de conscientização entre os produtores acerca de qual caminho seguir.
AN – O alto custo do investimento para a conversão do sistema atual para modelos livres de gaiola não seria o principal obstáculo para os produtores?
Iran – Sem dúvida é um fator determinante. Não há como mudar o sistema sem investir. E diferentes variáveis têm que ser consideradas para a realização desse investimento, como a questão da necessidade de área por exemplo. Não há como pegar um aviário com 30 mil poedeiras, tirá-las das gaiolas e coloca-las no chão. A área não é a mesma. Então, o produtor vai ter que fazer as adequações necessárias; cercar, redimensionar os equipamentos, enfim, há toda uma nova concepção estrutural que demanda mudanças de manejo e investimento. Além disso, devemos considerar que vivemos num País de grande incerteza econômica e política. Nessas circunstâncias o produtor realmente fica com receio de investir. Afinal, ele não sabe o que vai encontrar no futuro próximo. Acredito que se o Brasil tivesse uma confiabilidade econômica maior os investimentos seriam maiores. Por outro lado, acredito muito num processo de transição. O produtor precisa ter em mente que as mudanças podem ser gradativas, realizadas por etapas, paulatinamente, sem demandar, necessariamente, grandes investimentos iniciais. Mas é importante que os primeiros passos sejam dados.
AN – Países da Europa, e mesmo os Estados Unidos e o Canadá, têm experiência na conversão de modelos convencionais para o livre de gaiolas. Entre eles há um que seja mais adequado à realidade brasileira e possa ser implantado por aqui?
Iran – Acredito que o Brasil tem sim que aproveitar a experiência de outros países, mas precisamos construir um modelo próprio, que leve em consideração as particularidades e características de nossa avicultura. Não podemos importar um modelo, uma “caixa preta”. O sistema produtivo da avicultura de postura brasileiro é muito heterogêneo. Temos granjas de baixa e alta tecnologia. As realidades entre as regiões produtoras são diferentes. A transição por aqui terá que ser gradual. Acredito muito no modelo das gaiolas enriquecidas, os gaiolões, em que se tem 60-70 aves numa gaiola bem maior, com espaço, que tem apresentados resultados excelentes no exterior. Enfim, uma gaiola que possibilita que a ave expresse seu comportamento natural.
Mas, de maneira geral, nossa maior dificuldade para encontrar o melhor sistema é a questão da escala de produção. Por mais que tenhamos a Europa e outros países como referência, nossa escala é muito maior. Tudo no Brasil é muito grande. E nossa diversidade climática também é um fator que influencia. Não há como adotar um modelo específico. Não existe um sistema que sirva para a região de Bastos, para o Estado Espírito Santo, para o Nordeste e para o Sul. Temos que desenvolver e adequar um modelo próprio.
AN – Para finalizar, que outras tendências no bem-estar de poedeiras devem começar a impactar a produção avícola em curto, médio e longo prazos?
Iran – Acredito que as exigências tendem a se intensificar em várias frentes, como o descarte de machos, a debicagem, a muda forçada. Acho que mais cedo ou mais tarde a atenção dos consumidores deve se voltar a essas práticas, e isso, certamente, vai impactar a produção de ovos no Brasil, além, é claro, do bem-estar do trabalhador que em breve será incorporado nessas demandas.