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Doença de Gumboro: tecnologias imunoprofiláticas

Escrito por: Filipe Fernando e Tobias Fernandes Filho - 1Gerente de Serviços Técnicos - Boehringer Ingelheim Animal Health, 2Coordenador Técnico - Boehringer Ingelheim Animal Health
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gumboro

Como prevenir a imunossupressão e solucionar a questão do gap imunológico observados nos programas de vacinação contra Gumboro? Saiba mais aqui!

Uma doença aparentemente nova em galinhas tem sido frequentemente observada. Essa doença parece ser infecciosa e contagiosa, caracterizada por penas arrepiadas, diarreia e prostração. Os primeiros surtos ocorreram próximo à área de Gumboro, no sul de Delaware, Estados Unidos.
(Cosgrove, 1962)

Esse foi o primeiro relato divulgado cientificamente sobre a doença infecciosa da Bursa, em 1957, também conhecida como doença de Gumboro. 

Hoje sabemos que essa doença é causada por um vírus altamente contagioso, que afeta principalmente o sistema imune do seu hospedeiro.

O vírus de Gumboro tem como uma das principais características a resistência às condições inóspitas do ambiente e a métodos de desinfecção (Benton e Cover, 1967), atributo muito comum aos vírus desprovidos de envelope.
Outras importantes características desses vírus são as diversidades genética e de virulência, atribuídas tanto aos vírus de campo quanto às estirpes vacinais.
O vírus é transmitido horizontalmente, principalmente através da ingestão de ração e água contaminados com fezes contendo o vírus viável e na sua forma infectante. Esse ciclo pode se repetir, desde que o local de criação, e principalmente a cama do aviário contenha o vírus viável.

No Brasil, surtos graves de Gumboro foram relatados desde julho de 1997 (Di Fabio et al., 1999). A doença com manifestações clínicas esteve muito presente na produção de frangos de corte e poedeiras até o surgimento de métodos imunoprofiláticos mais eficientes, como o uso de vacinas não convencionais, seja ela em sua forma vetorizada ou de complexo imune.

Além de altamente infeccioso, o vírus de Gumboro é caracterizado por causar ou permitir a:
Destruição dos órgãos linfoides e, em particular, a bursa de Fabricius;

Infecção e apoptose de linfócitos B;

Imunossupressão direta por depleção de linfócitos B;

Imunossupressão indireta, através da inibição da mitogênese de células T e macrófagos;

Infecções secundárias

Os linfócitos B são as células precursoras dos plasmócitos, que são responsáveis pela produção de anticorpos.

Considerando os efeitos redutores na população de células B que o vírus de Gumboro e que algumas vacinas convencionais exercem sobre o hospedeiro, sabe-se que as respostas imunes contra vírus e bactérias são negativamente influenciadas tanto em situações de desafio como também como efeito colateral com o uso de vacinas intermediárias e intermediárias plus4,5.

Apesar da doença ser majoritariamente correlacionada com o efeito na depleção de linfócitos B, outros compartimentos do sistema imunológico da ave são afetados durante a infecção pelo vírus de Gumboro.

Esse vírus tem como alvo as células imunes de uma forma muito abrangente e complexa, não só ocasionando a destruição de linfócitos B, mas também atraindo linfócitos T ao sítio de replicação e ativando macrófagos.

A depleção de linfócitos B na bursa de Fabricius após infecção é devida tanto à necrose quanto à apoptose (Hirai, 1979; 1981; Rodenberg et al., 1994).

QUAL O IMPACTO DA IMUNOSSUPRESSÃO CAUSADA PELO VÍRUS DE GUMBORO?

Na década de 1950, iniciou-se a compreensão das funções dos órgãos e tecidos que fazem parte da atividade de defesa das aves contra microrganismos. Em destaque, a compreensão da função da bursa de Fabricius.

De modo geral, esse órgão fornece um microambiente para o desenvolvimento de linfócitos B, reconhecidos como as células responsáveis pela produção de anticorpos.

Estudos demonstraram que a excisão da bursa de Fabricius, seguido pelo desafio das aves desprovidas desse tecido, comprometem a defesa contra as infecções por salmonela, bem como, geram um ambiente propicio para multiplicação e excreção da bactéria.

A imunossupressão causada pela bursectomia química, infecções pelo vírus da anemia infecciosa das galinhas e pelo vírus de Gumboro sobre a resposta imune contra a Salmonella Enteritidis e a Salmonella Typhimurium geram efeitos deletérios ao ambiente da bursa com efeitos persistentes e negativos tanto à resposta humoral quanto celular (Phillips e Opitz, 1995; Sheela, 2003; Wyeth,1975).

A respeito do uso de vacinas vivas convencionais de Gumboro tipo intermediária plus, tem-se mostrado que a vacina teve um  papel importante ao desencadear um efeito deletério na resposta humoral contra a Salmonella Enteritidis, sendo que a resposta em relação à títulos de anticorpos séricos e de mucosa direcionados contra a Salmonella Enteritidis foi menor em grupos vacinados e desafiados quando comparado apenas ao grupo desafiado (Arafat et al., 2017).

Essas mesmas aves apresentaram quase três vezes mais isolamentos de salmonela no fígado aos 21 dias pós vacinação e desafio, bem como um aumento considerável de aves positivas para salmonela aos 7, 14 e 21 dias pós vacinação e desafio (Tabela 1)

Esse estudo aponta que, da mesma forma que ocorre com os vírus de campo, os vírus vacinais do tipo intermediário plus comprometem também a resposta celular e aumentam a fragilidade das respostas imunes para a defesa contra outros agentes infecciosos, como as salmonelas.

Tabela 1. Recuperação bacteriana de Salmonella Enteritidis em suabe de cloaca de aves vacinadas com uma vacina de gumboro tipo intermediária e desafiadas com Salmonella Enteritidis (adaptado de Arafat et al., 2017).

PREVENÇÃO E CONTROLE

A prevenção e o controle da doença de Gumboro dependem dos protocolos de boas práticas de produção e biosseguridade.

No entanto, mesmo com boas condições de biosseguridade e aplicação do sistema “all-in all-out”, onde há a redução da carga viral e pressão de infecção na granja, o vírus ainda pode persistir no ambiente.

Protocolos de vacinação contra o vírus de Gumboro devem considerar a segurança e a capacidade da vacina desencadear uma resposta imune após sua aplicação, seja ela in ovo ou subcutânea, mesmo na presença de anticorpos maternos.

O primeiro conceito “pós vacinas convencionais” foi demonstrado com as vacinas de complexo imune.

Estas vacinas consistem em uma mistura de soro contendo anticorpos neutralizantes e específicos para o vírus de Gumboro, combinados com um vírus vivo, em geral estirpes intermediárias plus.

Essas vacinas são uma forma associada “antígenoanticorpo”, suficientemente equilibrada de modo a não neutralizar o vírus vacinal, mas capaz de retardar os efeitos patogênicos do vírus vacinal quando comparado à sua aplicação isolada.

No entanto, da mesma forma que as vacinas convencionais induzem lesões de Bursa, depleção linfoide e consequente imunossupressão, vacinas de complexo imune geram escores variados de lesão após a vacinação (Cazaban et al., 2018; Sedeik et al., 2019), com efeitos imunossupressores semelhantes às vacinas convencionais, sendo seu efeito mais tardio e dependente da queda dos títulos dos anticorpos maternos recebidos pela progênie.

Vacinas de complexo imune são administradas no incubatório, no entanto as estirpes presentes nestas vacinas não replicam de forma eficiente até que os anticorpos maternos atinjam um certo nível (Jeurissen et al., 1998), que fica abaixo do nível de proteção contra os vírus de campo.

Há, portanto, um período pós vacinal em que as aves são susceptíveis à infecção por vírus de campo. Este período é denominado “gap imunológico” (Fig. 1a).

Figura 1a. Gap imunológico pode ser observado em vacinas vivas convencionais e de complexo imune.

 

Figura 1b. Ausência de gap imunológico em aves vacinadas com vacina vetorizada HVT+IBD.

Outro modelo de imunoprofilaxia para a doença de Gumboro é representado pelas vacinas vetorizadas recombinantes, baseado na inserção do gene que sintetiza a proteína VP2 do vírus de Gumboro dentro do genoma do vírus vacinal de Marek do sorotipo 3 (HVT).

Essa tecnologia permite a prevenção dos efeitos imunossupressores conferidos pelas vacinas convencionais e de complexo imune.

A vacina vetorizada penetra nas células alvo do pintinho vacinado logo após a vacinação e então começa seu ciclo de replicação, durante o qual expressa a proteína protetora VP2 do vírus de Gumboro.

Esta proteína, em combinação com as proteínas do vírus de Marek, induzem uma resposta imune que protege a ave vacinada contra o vírus de Gumboro e o vírus de Marek.

As células do pintinho que contém a vacina HVT+IBD em seu interior passam a liberar uma nova progênie do vírus vacinal, que então entrará em contato com novas células alvo, repetindo esse ciclo sucessivamente e induzindo uma resposta imune sistêmica (Fig. 2), replicando-se em diversos órgãos da ave ao invés de apenas os linfócitos B, como as vacinas vivas convencionais e de complexo imune (Prandini et al., 2008; Bublot et al., 2007)

Figura 2. Interação do vírus da vacina HVT+IBD com o sistema imune das aves.

A vacina HVT+IBD possui o vetor do vírus de Marek com replicação rápida, sendo que sua replicação inicial se dá logo após a aplicação no incubatório, mesmo em aves com altos níveis de anticorpos maternais.

A replicação precoce do HVT e a expressão do gene VP2 de Gumboro permitem a indução precoce de anticorpos ativos contra o vírus de Gumboro, que compensarão progressivamente a queda do nível de anticorpos maternos, mantendo os níveis de anticorpos acima do limiar de proteção (Fig. 1b) (Bublot, 2015).

A tecnologia de vacinas vetorizadas, portanto, é a única que pode solucionar as questões de prevenção da imunossupressão e gap imunológico observadas nas vacinas convencionais e de complexo imune.

As vacinas vetorizadas podem diferir quanto à velocidade de replicação do vírus HVT seguida da indução da imunidade protetiva contra os vírus de Marek e de Gumboro.

No tocante a isso, os relatórios de avaliações de produtos veterinários publicados pela “European Medicines Agency Veterinary Medicines” concluíram que a HVT+IBD confere o início da proteção contra a doença de Gumboro já na segunda semana pós vacinação, bem como é eficaz contra a doença de Marek aos 4 dias pós vacinação (European Medicines Agency Veterinary Medicines, EMEA/V/C/065).

Enquanto vacinas vetorizadas HVT+ND+IBD, que utilizam uma inserção adicional de expressão contendo dois promotores, podem desencadear a resposta protetiva de forma mais lenta, sendo somente três semanas pós vacinação para Gumboro e nove dias para a doença de Marek (European Medicines Agency Veterinary Medicines, EMA/391280/2017 – EMEA/V/C/004422).

Diante da disponibilidade de diferentes tecnologias no mercado, ressalta-se a importância do médico veterinário em conhecer a situação epidemiológica da doença de Gumboro de cada região.

A atual reflexão não é mais qual a melhor vacina contra a doença, e sim, qual o melhor programa integrado, visando não somente a proteção contra uma enfermidade, mas da preservação do sistema imune das aves para a expressão máxima do seu potencial genético.

Ressalta-se a necessidade de considerar outros desafios e situações epidemiológicas das integrações, a fim de maximizar os demais métodos imunoprofiláticos e contra agentes de sumo importância, com as salmoneloses

REFERÊNCIAS

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Di Fabio, J., Castro, A. G. D., Gardin, A. Y., Rossini, L. I., Toquin, L. I. D., & Eterradossi, N. Very virulent IBD spreads to South America. World Poultry, 15(9), 1999.
Gimeno, I. M. and Schat, K.A. Virus-Induced Immunosuppression in Chickens. Avian DiseaseS 62:272–285, 2018.
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