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A nutrição sempre foi um dos pilares da evolução da avicultura brasileira. Ao lado da genética, os avanços na alimentação animal foram decisivos para a melhora contínua do desempenho zootécnico e econômico na produção avícola.
Nos dias de hoje o avanço no conhecimento da nutrição continua imprescindível. Desenvolvendo-se rapidamente em várias frentes, o conhecimento em nutrição tem ajudado o setor não só a otimizar o desempenho produtivo das aves, como tem enfrentado desafios e exigências em várias áreas como a sanitária, de bem-estar animal e de segurança alimentar.
Mário Penz será o Diretor Técnico de Nutrição no LPN Miami Congress
Nesta entrevista, Mário Penz fala sobre o futuro da nutrição avícola, elenca as áreas em que a disciplina vem apresentando resultados mais promissores e comenta os desafios atuais do setor. Os melhores trechos do bate-papo você confere a seguir.
AN – O aumento de exigências relacionadas ao bem-estar animal, redução do uso de antibióticos promotores de crescimento, sanidade vêm desafiando a avicultura. De que forma a nutrição tem ajudado o setor a enfrentar esses desafios?
Mário Penz – A nutrição vem atuando em várias áreas, ajudando a avicultura a enfrentar esses desafios. A necessidade da redução do uso de antibióticos melhoradores de desempenho na produção avícola, em especial, não é uma exigência nova. Ela já existe há mais de 20 anos na Europa e, consequentemente, o conhecimento cientifico para atender a essa demanda vem evoluindo. O que se vê, à medida que os europeus passaram a exigir a retirada, por precaução, desse tipo de substâncias da produção animal, é que os nutricionistas passaram a ter uma responsabilidade ainda maior no processo de produção. Antes, com o uso dos antibióticos melhoradores de desempenho, o que se olhava era o agente causador de uma eventual patologia ou micro-organismos que agiam no trato intestinal. Ou seja, como aquele agente era eliminado ou suas ações eram minimizadas? Hoje o foco mudou. Com a exigência de retirada desses aditivos, os novos produtos passaram a focar muito mais no hospedeiro. E o hospedeiro, que é o animal, depende de uma boa nutrição. Um animal bem nutrido, em tese, tem uma qualidade imunológica melhor desenvolvida e mais preparada para enfrentar uma eventual agressão, momentânea, pontual. Basta lembrar que 70% da resposta imune das aves ocorre nos enterócitos e que, portanto, esses animais com com enterócitos saudáveis estarão mais preparados para enfrentar qualquer eventual desafio microbiano. Atribuo essa evolução aos 20 anos de pesquisa que todos nós, aqui ou lá fora, fizemos em busca dessa substituição.
AN – Para onde aponta o futuro da nutrição avícola?
Mário Penz – Existem várias frentes. Temos temas que são lição de casa, que já estão sobre a mesa, e para os quais precisamos ter mais atenção, como é o caso, por exemplo, da qualidade das matérias-primas. Isso é fundamental. Mas temos que avançar também em áreas que outras indústrias estão trabalhando, que é a avaliação do processo de produção em tempo real. Nós não podemos mais nos limitar a fazer uma avaliação do resultado de um determinado lote ou de uma atividade produtiva depois que ela já foi concluída. A nutrição vai contribuir muito mais, quando estiver de posse de informações em tempo real – me refiro aos índices, como ganho de peso, conversão alimentar, consumo de água, mortalidade dos frangos etc. Assim, os nutricionistas estarão muito mais habilitados para fazer alterações no decorrer da produção. Costumo dizer que, dessa forma, estaremos muito mais preparados para ajudar a consertar o avião em pleno voo. Porque depois que o avião já pousou não há muito o que fazer. Acredito, portanto, que a nutrição vai participar mais efetivamente em fenômenos que são contínuos e constantes durante a produção.
AN – Na opinião do senhor, em quais frentes a nutrição de aves vem se desenvolvendo mais rapidamente? Nutrição de precisão, nutrigenômica, uso de novos ingredientes como o plasma?
Mário Penz – Acredito que cada uma dessas áreas terá sua participação no avanço da avicultura. A genômica tem nos ajudado a conhecer melhor os animais e suas reais potencialidades. O conhecimento do DNA abre frentes de estudo, com capacidade de promover avanços significativos na produção. Isso não pode ser ignorado. O uso de ingredientes diferenciados na nutrição de aves, como o plasma, também é um bom exemplo. O plasma, assim como tantos outros ingredientes, estará presente nas dietas porque permitem enriquecê-las, colaborando para o aumento da produtividade, da imunidade das aves. Ingredientes de alta digestibilidade e com características nutricionais especiais estimulam o desenvolvimento dos enterócitos. Hoje o nutricionista não olha apenas o animal. Ele está preocupado com a integridade intestinal das aves. Ou seja, quais os ingredientes, com seus nutrientes, que trazem benefícios a essa estrutura. Esses certamente serão os escolhidos. Inclusive, alguns ingredientes que no sistema convencional de formulação de custo mínimo não entrariam nas fórmulas, passarão a ser usados, porque serão considerados como “aditivos diferenciados”. E quando um aditivo diferenciado mostra na prática que deve estar presente, ele passa a ser visto de outra forma.
AN – Dentre essas frentes de estudo qual chama mais sua atenção?
Mário Penz – O que hoje mais me estimula é o que chamamos de formulação não linear. Isto é, o desafio não é mais formular a ração com menor custo, mas sim aquela que traz ao negócio o maior retorno econômico. Restringir o resultado zootécnico como determinante de ganho é algo que já ficou para trás. Hoje temos que saber o seguinte: com aquilo que disponho, o que me traz o melhor benefício econômico como produto final? E, às vezes, nós nutricionistas, quando formulamos com custo mínimo, estamos olhando o nosso silo, nos baseando em nossos próprios pressupostos para formular uma dieta mais barata. Mas, a dieta mais barata condiz com o melhor resultado de campo que lá no final vai proporcionar um menor custo de produção? Essa associação ainda não é comum. Existem várias iniciativas nesse sentido. Nosso grupo está trabalhando nessa área e sentimos que o caminho é por aí.
AN – Atualmente a palavra precisão está muito em voga. Existe a agricultura de precisão, bovinocultura de precisão, avicultura de precisão. Dentro da área de nutrição de precisão alguma tendência que merece destaque?
Mário Penz – Uma área que está avançando muito e que para mim é algo impressionante é a formulação em linha. Ou seja, hoje, usando conhecimentos de NIR [Near Infrared Spectroscopy], é possível determinar a composição dos ingredientes no momento em que estão indo em direção ao misturador e, de acordo com sua composição imediata, antes da próxima batida, identificar as diferenças de composição nutricional desses ingredientes e reformular a próxima batida, de acordo com aquilo que está passando antes do misturador. Isso nos permite, em vez de criar uma margem de segurança, baseada nos históricos de informação de composição nutricional dos ingredientes, diminuir essa margem de segurança, assegurando maior precisão ao processo. Esse sistema permite identificar essa margem de segurança em tempo real e,imediatamente, alterar a próxima mistura. Considero esse um grande avanço e algo que está vindo para ficar, queiramos ou não. A indústria avícola, para avançar daqui para a frente, não poderá ser conservadora. O negócio não pode parar de evoluir, pois entendemos que estamos bem. Em que pese todos os avanços e nossa posição confortável, precisamos olhar para outras indústrias que trabalham com robotização, com instrumentos de entendimento imediato de um fenômeno. Não podemos nos acomodar. Temos que nos antecipar às tendências.
AN – O senhor acha que esse empecilho seja cultural?
Mário Penz – Acredito que tivemos grandes ganhos. Avanços estes que nos levaram onde estamos. Essa evolução foi tamanha que novos avanços as vezes se tornam imperceptíveis. Para realmente garantirmos um novo salto temos que deixar paradigmas pré-estabelecidos. Existe aquela velha história de que “time que está ganhando não se mexe”. Em certos casos não é bem assim. Existem momentos em que é necessário se insubordinar àquilo que está sendo considerado certo e tentar buscar outros caminhos. A competição na avicultura mundial é muito acirrada. Não é porque o Brasil é um país grande, continental, com boa oferta de grãos, com vocação para a produção de alimentos, em especial para a produção de aves, que podemos nos acomodar. Existem muitas outras variáveis que determinam a competitividade na avicultura. Veja só a questão do frete de grãos. Hoje o custo do frete de grãos do Centro-Oeste brasileiro para Paranaguá é duas vezes maior do que de Paranaguá para Jacarta, na Indonésia. O nosso grande diferencial hoje é o status sanitário de nossa avicultura. Nossa condição sanitária é o nosso maior patrimônio. Temos, portanto, que primar por nossa biosseguridade. Esse é o ponto mais importante. Temos também que cuidar das nossas fábricas de rações, dos nossos incubatórios, das nossas granjas de matrizes, das nossas granjas de frangos. Mas, acima de tudo, trabalhar para manter intacto o status sanitário da avicultura brasileira.
Da Redação