Inflamação intestinal: como promover uma microbiota eficiente no frango de corte?
Conceito de inflamação
A inflamação é um mecanismo fundamental de defesa do organismo animal. Trata-se de uma resposta adaptativa do sistema imune, cuja função é restaurar a homeostase frente a estímulos nocivos, como patógenos, lesões teciduais ou desequilíbrios metabólicos. No entanto, embora necessária, a inflamação envolve consumo de energia e aminoácidos, o que implica um custo biológico elevado — especialmente em animais de alto desempenho, como os frangos de corte.
Na avicultura, é essencial compreender que existem diferentes tipos de inflamação, com origens e implicações distintas:
- Fisiológica: ocorre de forma controlada e é ativada por fragmentos microbianos não patogênicos (Lipopolissacarídeos, Peptidoglicanos, DNA, entre outros). Atua como um mecanismo de vigilância e manutenção da homeostase orgânica.
- Patológica: resultante da infecção por microrganismos e/ou suas toxinas, como micotoxinas ou toxinas alpha e NetB do Clostridium perfringens. Esse tipo de inflamação está associado a lesões, disbiose e perda de desempenho.
- Estéril: é desencadeada por estímulos não infecciosos, como ATP extracelular, RNA, aminas biogênicas ou dano mecânico à mucosa intestinal. Embora não envolva patógenos, pode gerar respostas inflamatórias significativas.
- Metabólica: relacionada ao excesso de nutrientes na dieta, como carboidratos fermentáveis, ácidos graxos e compostos tóxicos. Ocorre independentemente da interação com microrganismos e induz ativação imune local.
Independentemente do tipo, a inflamação desvia recursos fisiológicos da ave e, quando exacerbada ou crônica, compromete diretamente a função intestinal, a absorção de nutrientes e o desempenho zootécnico. Em frangos de corte, dependendo da idade, um processo inflamatório moderado pode consumir até 34% da energia metabolizável ingerida.
Impacto do processo inflamatório na microbiota intestinal
A microbiota intestinal exerce funções vitais para a saúde e o desempenho das aves. Atua na digestão e absorção de nutrientes, modulação da resposta imune, exclusão competitiva de patógenos e produção de metabólitos benéficos. No entanto, quando o ambiente intestinal é afetado por processos inflamatórios, essa simbiose é prejudicada, abrindo espaço para desequilíbrios microbianos — a chamada disbiose.
Durante processos inflamatórios, ocorre a liberação de mediadores inflamatórios e aumento da permeabilidade intestinal, favorecendo a translocação bacteriana e alterando a composição microbiana. Além disso, muitos patógenos intestinais se beneficiam dessas condições inflamatórias. Por meio de mecanismos de quorum sensing, bactérias como E. coli, Clostridium spp. e Salmonella spp. conseguem detectar o ambiente inflamatório e modular sua expressão gênica, aumentando a produção de fatores de virulência, resistência e adesão. Dessa forma, a inflamação intestinal não apenas compromete a integridade da mucosa, como também favorece a dominância de bactérias patogênicas, estabelecendo um ciclo vicioso de inflamação e disbiose.
Formas de controlar a inflamação e promover uma microbiota estável
O controle da inflamação intestinal em frangos de corte exige uma abordagem multifatorial e integrada, na qual a nutrição desempenha papel fundamental. O excesso de nutrientes fermentáveis, como carboidratos solúveis e lipídios oxidados, pode intensificar processos inflamatórios metabólicos ao gerar ácidos orgânicos voláteis e radicais livres, comprometendo a integridade do epitélio intestinal. A densidade nutricional e o perfil de ingredientes devem, portanto, ser ajustados.
A presença de compostos tóxicos como aminas biogênicas ou resíduos de fermentações proteicas pode induzir reações inflamatórias mesmo na ausência de patógenos. Assim, o controle rigoroso da qualidade das matérias-primas — com destaque para a análise de frescor, oxidação e presença de micotoxinas — é uma medida preventiva essencial.
A inclusão de aditivos com ação imunomoduladora, antimicrobiana e antiinflamatória tem se mostrado uma ferramenta eficaz para o controle da inflamação e o suporte à microbiota. Ácidos orgânicos, óleos essenciais, prebióticos, enzimas digestivas e monoglicerídeos de ácidos graxos atuam sinergicamente para reduzir a carga de substratos putrefativos, inibir patógenos e favorecer o crescimento de bactérias comensais. Além disso, muitos desses aditivos exercem efeito direto sobre células do sistema imune da mucosa, contribuindo para a modulação da resposta inflamatória local.
O uso de probióticos, por sua vez, tem se apresentado como uma ferramenta adiconal na manutenção da saúde intestinal. Diferentes cepas de Lactobacillus, Bacillus, Enterococcus e Bifidobacterium são capazes de modular ativamente a microbiota, colonizando ou favorecendo a colonização por microrganismos benéficos e inibindo o crescimento de patógenos por competição e produção de substâncias antimicrobianas. Além disso, os probióticos também exercem efeitos imunomoduladores no epitélio intestinal, promovendo a liberação de citocinas anti-inflamatórias e fortalecendo as junções epiteliais, o que reduz a inflamação local e aumenta a competência da barreira mucosa.
Adicionalmente, a implementação de programas vacinais bem estruturados desempenha papel decisivo na redução da necessidade de respostas inflamatórias intensas. Ao conferir proteção contra agentes relevantes, as vacinas reduzem a carga antigênica e, por consequência, diminuem a ativação contínua do sistema imune. Isso permite que os recursos fisiológicos das aves sejam redirecionados para o crescimento e desempenho, ao invés de serem consumidos por processos inflamatórios crônicos.
Importância da biosseguridade no controle da inflamação
A biosseguridade constitui o primeiro e mais sólido pilar no controle da inflamação patológica em frangos de corte. Ao reduzir ou eliminar a entrada e a circulação de patógenos no ambiente de produção, promove-se uma menor exposição das aves a estímulos inflamatórios de origem infecciosa, o que impacta diretamente na estabilidade da microbiota intestinal e no desempenho zootécnico. A inflamação patológica, diferente das demais formas (metabólica, estéril e fisiológica), pode ser prevenida de forma mais eficaz, desde que haja rigor na implementação de programas de biosseguridade bem estruturados.
Entre os principais pontos de atenção estão os protocolos de controle de acesso às instalações, que devem incluir barreiras sanitárias como troca de roupas e calçados, uso de pedilúvios, higienização das mãos, quarentena para visitantes e controle documental de trânsito de pessoas e veículos. O manejo de vetores biológicos — como roedores, insetos e aves silvestres — é igualmente essencial, pois esses organismos atuam como veículos de patógenos relevantes.
Outro componente muitas vezes subestimado, mas de grande impacto, é o manejo da cama durante o lote. A espessura, revolvimento e controle do pH da cama afetam diretamente a sobrevivência e multiplicação de microrganismos patogênicos. Ambientes com cama úmida, compactada ou fermentada criam condições ideais para a manutenção e/ou proliferação microbiana, contribuindo para a instalação de quadros inflamatórios subclínicos de origem infecciosa.
De forma complementar, os procedimentos de intervalo entre lotes representam uma etapa crítica no ciclo de produção. Um intervalo bem conduzido, com tempo adequado e limpeza e desinfecção eficazes, permite não apenas a redução da carga microbiana no ambiente, mas também o restabelecimento de uma microbiota ambiental mais equilibrada.
Essa recuperação do ambiente intestinal coletivo é fundamental para que o novo lote se estabeleça sob condições mais favoráveis, com menor necessidade de ativação de respostas inflamatórias intensas. Além disso, a remoção de matéria orgânica residual e a interrupção do ciclo de vida de agentes como Eimeria spp. e Clostridium perfringens ajudam a romper o ciclo de infecção e inflamação contínua entre lotes sucessivos.
Considerações Finais
Promover uma microbiota intestinal eficiente em frangos de corte é um dos principais desafios da produção avícola moderna. Isso exige mais do que controle de patógenos: requer uma compreensão profunda dos mecanismos inflamatórios e das interações entre microbiota, imunidade e nutrição. Enquanto a inflamação fisiológica é necessária e inevitável, os demais tipos — especialmente a inflamação patológica — devem ser controlados de forma proativa.
A combinação de uma dieta bem formulada, uso de aditivos funcionais e probióticos, programas vacinais eficazes e biosseguridade rigorosa cria as condições ideais para um ambiente intestinal estável. Esse equilíbrio permite que o potencial genético das aves se manifeste plenamente, com melhor conversão alimentar, menor mortalidade e redução do uso de antimicrobianos. Em última análise, investir na prevenção e no controle da inflamação intestinal é investir na sustentabilidade e rentabilidade da produção avícola.
Referências sob consulta junto ao autor
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