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A jornada da sustentabilidade nas propriedades avícolas

Escrito por: Luciana Abeid Ribeiro Dalmagro - Farmacêutica, Mestre em Ciências, Gestora Empresarial, Avicultora e Empreendedora. Vencedora do Prêmio Mulheres do Agro 2020, Embaixadora do mesmo prêmio em 2021 e 2022. Membro de diversos projetos com foco em sustentabilidade e desenvolvimento social. Eleita pela Bloomberg Línea como uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina.
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a jornada da sustentabilidade nas propriedades avícolas

Quem aqui escreve é uma avicultora, filha, neta, bisneta e tataraneta de agricultores. Faço parte da quinta geração de produtores rurais, que colocaram os pés pela primeira vez na nossa terra situada na região de Ribeirão Preto/SP por volta de 1850.

Trabalhei alguns anos em outras áreas, morei em cidades maiores, mas uma inquietude me trouxe de volta para o interior. Foi a chance que a vida me deu para conhecer melhor o negócio da nossa família (que o meu pai havia assumido há algumas décadas).

Uma fazenda de multiculturas, e que nos últimos 16 anos se dedicou grande parte a Avicultura, com construção ao longo do tempo de uma granja com 14 galpões (somos integrados e hoje alojamos 500.000 frangos/ciclo).

Quando entendi o tamanho e a complexidade desta cadeia eu decidi me dedicar a aprender e inovar. Isso aconteceu há 12 anos, e com o meu interesse (e com a abertura que meus pais me deram) resolvemos trilhar juntos uma estrada longa que é a sucessão familiar.

 

Na foto Luciana e o pai Paulo Portugal

No início da minha atuação na fazenda, foquei em ajudar a equipe a melhorar a produtividade e eficiência da nossa operação. Passados alguns anos, e com bons resultados atingidos, comecei a me dedicar ao que realmente passou a me motivar: tornar a nossa fazenda sustentável. Sustentável de verdade.

Este é um tema que tomou corpo e muita força nos últimos anos. E hoje se tornou um dos tópicos globalmente mais relevantes, representada pela sigla ESG, que pode ser resumida como a sustentabilidade em uma linguagem corporativa (que a propósito hoje compõe parte significativa das metas das empresas).

A sustentabilidade passou a estar presente na agenda de planejamento e execução de todos os gestores e líderes do agronegócio, e para nós produtores rurais, isso não será diferente.
Acredito que devemos enxergar nossas propriedades conectadas ao ecossistema que estão incluídas, algo que nos faz olhar muito além puramente da atividade financeira em questão. E quando há essa internalização da sustentabilidade como parte do negócio (tornando-se nossa cultura), começamos a perceber que todas as nossas decisões têm grande impacto no presente e que também são parte da construção do futuro.

Esse futuro precisa ser desenhado com:

Iniciativas de baixo carbono,

Regeneração da natureza e biodiversidade,

Responsabilidade/desenvolvimento social, e é claro,

Sustentação econômica para que tudo isso seja possível.

Com esse pensamento, comecei a trilhar um caminho de desenvolvimento sustentável da propriedade. Através de uma abordagem técnica e pragmática, baseada em ciência e com a ajuda de algumas pessoas (principalmente minha família, meu marido e nosso time) que aceitaram viver comigo este desafio de moldar a sustentabilidade como pilar central do nosso negócio e como modelo de gestão.

Os principais pontos de trabalho foram (e ainda são):

Redução dos impactos no meio ambiente: buscar eficiência na conversão alimentar é um grande ponto de impacto em sustentabilidade.

A cada grama de ração economizada para produzir a mesma quantidade de carne, há uma enorme redução de insumos e toda redução do impacto de sua produção e logística. Para isso, utilizamos infraestrutura bem desenhada, bem dimensionada e corretamente instalada.

Tecnologia seguramente contribui, mas como programamos e operamos esse recurso definem o seu sucesso. Para tanto, mão de obra qualificada e preparada para usar a tecnologia em prol de bom manejo é fundamental. Isso reforça a necessidade de termos produtores e granjeiros capacitados apropriadamente para conduzir os grandes computadores que são nossos aviários atualmente.

Além disso, outra grande entrada na avicultura de corte é energia elétrica. O uso de fontes de energia limpa (hoje geramos mais de 50.000KWh/mês através de energia solar em 3 usinas de geração distribuídas na fazenda) também faz diferença.

Grande passo para a redução de impacto no meio ambiente e enorme economia no fluxo de caixa da granja vem da geração de energia, já que em uma operação de frangos a energia corresponde ao redor de 18% do custo operacional do produtor.

Foto de uma das usinas de geração de energia

Investimento alto, mas com retorno muito atrativo e com contribuição ambiental significativa.

Ainda na esfera ambiental, a disponibilidade de água na nossa região merece cuidado redobrado (longos períodos de estiagem, com prejuízo na vazão dos poços). Com isso decidimos captar água da chuva por meio de calhas, estocá-la (em uma cisterna para 3.000.000 de litros), tratá-la e posteriormente utilizar conforme a necessidade. Essa acabou se tornando uma grande segurança para a granja.

Foto de Cisterna para estocagem de água da chuva

Por último, toda operação industrial requer correto destino para os resíduos.

No nosso caso a biocompostagem da mortalidade em maquinário especializado, além de evitar impactos ambientais, nos levou a produzir um riquíssimo composto orgânico que hoje é utilizado nas nossas lavouras.

Biocompostador de resíduos

Bingo: economia circular; o que também nos ajuda como fonte de renda para a propriedade.

Bem estar das pessoas e liderança inspiradora: já sabemos que o bem estar animal é uma premissa para a produção; e o bem estar das pessoas envolvidas nas criações também ter que ser.

Somente assim garantiremos a sucessão familiar e a motivação para que nossos funcionários queiram continuar no campo. A ideia então foi formar um time que trabalhasse com coesão e feliz na fazenda.

Diferente de uma empresa urbana, a fazenda é uma grande comunidade onde as pessoas trabalham e moram com suas famílias. Portanto, uma missão constante para nós é buscar maior qualidade de vida com o desenvolvimento dessa comunidade rural.

Um exemplo é o programa de primeiro registro em carteira de trabalho para os jovens (filhos de funcionários) que recém saíram da escola, afinal queremos que nossos negócios também sejam empreendimentos com impacto social.

Tenho sempre em mente que a liderança em uma propriedade rural tem que ser inspiradora, como em outras empresas. A responsabilidade de inspirar no ambiente rural talvez seja ainda maior, já que os líderes geralmente são membros da família e não mudam constantemente como em uma empresa. Mas para liderar também é preciso que nós produtores rurais estejamos sempre nos desenvolvendo.

Sustentação econômica: Quando existe equilíbrio econômico, a gente se permite começar a pensar no longo prazo. Sem ele, a gente luta para sobreviver no presente. Isso quer dizer que para pensarmos em sustentabilidade os projetos obrigatoriamente têm que ter sustentação econômica.

Essa é uma premissa para o projeto existir. Com isso, o que focamos atualmente é:
  • Como garantir a viabilidade da granja no longo prazo;
  • Como nos tornaremos resilientes a tantos vaivéns de mercado;
  • Como oferecer remuneração justa ao nosso pessoal; dentre tantos outros desafios.

Estas perguntas nos inquietam, e nos motivam a concentrar esforços para alcançar cada vez melhores resultados para poder cumprir com essa agenda presente e também já para nos prepararmos para entregar a propriedade para as gerações futuras.

E com isso, acreditem: conforme a sustentabilidade foi sendo internalizada como cultura em todo o nosso time, os nossos indicadores de desempenho também foram melhorando.
Trago isso como uma quebra de paradigma para aqueles que ainda dizem que produtividade e sustentabilidade não podem andar juntas. Ou seja, o dinheiro está sempre em jogo, mas ele não deve ser a única peça do tabuleiro.

Com o que já foi realizado conseguimos avançar muito na nossa fazenda, mas ainda temos muito pela frente. Temos pensado nos nossos próximos passos, e para que caminho devemos seguir com tantas mudanças no mundo.

Como vamos desenvolver, capacitar e dar oportunidades para as crianças e jovens que moram na fazenda para que realmente queiram ficar no campo?

Como podemos regenerar (e não somente preservar) o meio ambiente que nos rodeia por lá?

Granja da Fazenda Alta Conquista

Eu realmente acredito em um ambiente rural que não será pautado somente em dinheiro. Especialmente quando estamos falando sobre a produção de alimentos. Esta não deveria ser uma atividade puramente financeira. Ao menos para mim não é.

As fazendas não são recortes de terra isolados no universo, mas sim partes de um grande ecossistema. Com isso, todas nossas atividades devem ser muito bem pensadas, sempre avaliando possibilidades e impactos. Acredito que nós produtores temos a missão de sermos guardiões das nossas terras, e não somente proteger, mas também regenerar, reconstruir.

Temos que entregar para a próxima geração uma propriedade melhor do que recebemos: melhor em eficiência econômica, melhor no aspecto social, e enriquecendo o meio-ambiente.

Vejo que a avicultura do futuro (que não é tão distante) tem como principal desafio trazer escala para a sustentabilidade como um modelo de gestão do produtor. Afinal, temos pela frente as metas de neutralidade de carbono e Net Zero para alcançar. E estes grandes passos como setor somente serão dados se o produtor rural for incluído e for preparado.

Assim, nesta longa jornada do presente com preparação para o futuro, o horizonte desenhado é a sustentabilidade. E para conseguirmos enxergá-lo e alcançá-lo, precisaremos andar juntos.

Edinho, Paola, Luciana e Tuca. Time de gestão da granja.

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