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Manejo da cama para saúde e bem-estar das aves

Escrito por: Nelva Grando - Médica Veterinária, Consultora com experiência em Programas de Prevenção e Controle de Salmonela na avicultura
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Manejo da cama

A avicultura representa um dos grandes pilares da economia brasileira, movimentando capital e gerando empregos, sendo o Brasil um dos maiores exportadores mundiais de aves.

Também é uma das mais competitivas e isso se deve principalmente pela maneira como produzimos, baseada na ciência e sustentabilidade.

Quando falamos em sustentabilidade um dos insumos de maior impacto é a matéria-prima utilizada para a cama das aves, o seu uso e destino. Pode ser de diferentes materiais, sendo os mais comumente utilizados a maravalha e a casca de arroz.

A cama de aviário é utilizada para oferecer uma melhor qualidade de vida às aves durante sua permanência no galpão, pois:

Colabora no conforto térmico;

Evita o contato direto com o chão ou piso;

Evita a formação de calos de pata e peito nos animais;

Além de fazer a absorção e incorporação das fezes, penas e água que cai dos bebedouros.

Como a ave está em contato contínuo com a cama, esta deve ter um volume adequado para contribuir com o bom desenvolvimento dos animais, evitar oscilações de temperatura e não acumular umidade excessiva, o que pode afetar negativamente no ganho de peso e conversão alimentar das aves.

Por isso a origem da matéria-prima deve ser considerada na hora de definir sua aquisição. Matérias-primas de boa qualidade não devem oferecer risco à saúde das aves e do consumidor, também os materiais com potencial de uso têm características específicas, sendo a capacidade de absorção e perda de água fundamentais para essa finalidade.

Outra característica importante é que a cama estará em contato com a ave de um dia e esta não está imunologicamente preparada para combater possíveis patógenos presentes na cama e mais facilmente será infectada.

Recomenda-se que estes materiais passem, preferencialmente, por um tratamento térmico ou outro capaz de reduzir os riscos, que sejam armazenados em locais fechados e sem a possibilidade de acesso de roedores, pássaros ou outras possíveis fontes de contaminação.

Com o crescimento da avicultura brasileira surgiu a necessidade de alternativas para reduzir os volumes utilizados destas matérias-primas e também os volumes de cama destinada ao meio ambiente.

Iniciou-se então o processo de estudo e avaliação para a reutilização da cama, inicialmente por 2 ou 3 lotes, e conforme as pesquisas foram dando segurança este período foi ampliado.

A grande vantagem da reutilização da cama entre lotes de aves de corte é a sustentabilidade, porém não devemos esquecer que a reintrodução frequente de origens não controladas pode representar um risco à saúde das aves.

A reutilização quando feita adequadamente favorece o controle de algumas bactérias, como por exemplo, as salmonelas.

As bactérias encontradas na cama, na sua maioria, são bactérias aeróbias e microaerófilas, sendo algumas apatogênicas, sem risco ao animal, e outras patogênicas para as aves. Temos também as que são diretamente ligadas à saúde do consumidor.

As não patogênicas participam de complexos processos de reciclagem dos nutrientes excretados pelas aves, tais como os que atuam na decomposição do ácido úrico, resultando em amônia, e os proteolíticos que produzem enzimas (proteases) que decompõem proteínas da excreta.

O grupo dois, no entanto, é o grupo de interesse quando se considera riscos microbiológicos da reutilização de cama, sobretudo os agentes zoonóticos, devido às suas implicações em saúde pública.

A Salmonella é a mais comumente encontrada e que tem impacto em segurança alimentar mais relevante. Bactérias como Escherichia coli e Staphylococcus aureus, Clostridium perfringens, entre outras, também podem estar presentes na cama e atuar como patógenos oportunistas ou contaminantes de alimentos.

O tratamento adequado das camas, nos intervalos entre lotes e na sua retirada, é um processo fundamental para prevenir a disseminação de patógenos para as aves e ambiente.

 

Atualmente APEC (E.coli enteropatogênica de aves) tem sido isolada em cama aviária. Salmonela que, entre outras, ao retirarmos a cama sem fazer a descontaminação correta, pode vir a contaminar o ambiente onde são depositadas ou utilizadas, e consequentemente retornar ao plantel de forma indireta.

Existem vários métodos de descontaminação da cama que podem ser utilizados sozinhos ou associados, dependendo do desafio. Os mais conhecidos e aplicados são:

Fermentativos;

Acidificantes;

Alcalinizantes;

Redutores de umidade.

Os trabalhos de pesquisadores da Embrapa Suínos e Aves (SC) têm sido fundamentais na validação destas metodologias. Estudos realizados comprovam a eficiência dos métodos fermentativos e de alcalinização no controle de Salmonella e enterobactérias.

Recentemente foi validada a eficácia do procedimento chamado de “fermentação plana”, que mostrou-se eficiente na inativação de microrganismos. Foi comprovado o efeito da fermentação plana sobre o vírus da Doença de Gumboro (VDIB) na cama de aviário reutilizada.
“Os experimentos demonstraram que o método é efetivo sobre o vírus da Doença de Gumboro, um modelo viral altamente resistente ao ambiente. A estratégia também pode ser recomendada para inativar vírus aviários residuais com características de resistência equivalentes”, destaca Clarissa Vaz, pesquisadora da Embrapa.

O estudo é usado como referência pelo serviço veterinário oficial e agroindústrias avícolas. Desta vez, a confirmação científica do efeito do procedimento sobre os vírus aviários é importante para auxiliar nas orientações aos produtores e na fiscalização pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Um bom manejo da cama no intervalo entre lotes, aliado a um tempo mínimo, assegura a saúde das aves e do consumidor.

Atualmente, os métodos mais utilizados são:

Fermentação da cama enleirada;

Fermentação plana associada ou não à alcalinização.

A determinação do método empregado segue as orientações das empresas produtoras, as quais avaliam os desafios, estruturas, tempo de intervalo e resultados.

Sabe-se que, para a efetividade destes procedimentos, alguns passos são primordiais e os resultados estão diretamente ligados a eles.

Para todos se recomenda que, logo após a saída das aves, as etapas de tratamento sejam realizadas como:

queima de penas,

remoção de cascas ou quebra em partículas menores,

adição de umidade se necessário e

cobertura com lona.

Quando o método escolhido for o de alcalinização após queima de penas e retirada de cascões, o alcalinizante deve ser incorporado.

A eficácia da fermentação está na elevação da temperatura e liberação de amônia. A eficácia da lona também é conhecida como um auxiliar ao controle de cascudinhos (Alphitobius diaperinus).
A escolha do material e o bom manejo de reutilização estão diretamente relacionados com a qualidade do ambiente em que as aves estarão expostas.

Excessos de umidade resultam em desconforto para as aves e consequentemente estresse, levando a:

Comprometimento do desempenho zootécnico;

Aumento de condenações por dermatites;

Baixo aproveitamento de patas pela presença de calos e de outros desafios.

Também é conhecido que bactérias como a salmonela têm sua multiplicação aumentada nestas condições. As falhas também levam à presença de altos níveis de amônia, muito prejudiciais ao bom desenvolvimento das aves e de sua saúde.

O reaproveitamento de cama é indicado quando os lotes não apresentam problemas sanitários, como desafios respiratórios com alta mortalidade e aerossaculites, entre outros. Também, por normativa, não se faz a reutilização em casos de salmonelas imóveis e S.Typhimurium e S.Enteritidis.

A cama de aves, após a criação de dois ou três lotes, constitui-se de um material absorvente acrescido de fezes, penas, insetos e restos de ração. Sendo assim, a microbiota da cama é muito similar à excreta das aves.

O manejo adequado da cama deve ser capaz de eliminar os micoorganismos indesejáveis, patogênicos ou não para as aves, e manter sua capacidade de proporcionar um ambiente agradável para o bem-estar das mesmas.

É importante que o descarte da cama seja realizado de forma consciente e segura, aplicando-se métodos de descontaminação, seja na parcial ou total. Este cuidado se faz necessário para toda e qualquer retirada, independente da detecção de contaminações por salmonela, ou outros agentes, assim mantém-se a sustentabilidade da produção.

 

O manejo adequado da cama deve fazer parte de qualquer empresa desde sua concepção. Desde a disponibilidade e origem dos materiais, reutilização e destino após o uso, mantendo-se assim uma cadeia de produção sustentável, sem causar danos às aves e ao meio ambiente.

 

 

 

 

 

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