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O impacto das síndromes respiratórias na qualidade do frango e nos programas de segurança dos alimentos

Escrito por: Jovanir Inês Müller Fernandes - Professora de produção e nutrição de aves Universidade Federal do Paraná Setor Palotina
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O impacto das síndromes respiratórias na qualidade do frango e nos programas de segurança dos alimentos

O Brasil é um dos grandes protagonistas na produção de carne de frango global e parte considerável dessa produção nacional é direcionada para outros mercados, sendo o líder mundial de exportações. Um dos grandes desafios da indústria de carne brasileira é produzir alimentos em larga escala, de alta qualidade e valor nutricional, com preços acessíveis e com baixos riscos à sua saúde humana.

Na produção de alimentos, dentre os fatores essenciais que caracterizam um produto e suas qualidades, a segurança do alimento é considerada componente fundamental. A incidência de microrganismos na carne de frangos de corte varia de acordo com as condições de manejo durante a criação dos animais e com os cuidados higiênico-sanitários nas operações de abate e manipulação das carcaças, e estão diretamente relacionados à segurança alimentar e à vida de prateleira do produto.

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Os microrganismos encontrados nas carcaças são provenientes da pele e das penas das aves vivas, das vias respiratórias, do trato intestinal desses animais e do ambiente de processamento na indústria. Os desafios respiratórios, principalmente na fase final da produção dos frangos a campo, vêm se intensificando com consequentes impactos econômicos e com risco de comprometimento da saúde humana.

As infecções do trato respiratório representam uma ameaça significativa para o setor avícola devido ao envolvimento de vários patógenos que causam síndromes de doenças respiratórias em aves e outras afecções decorrentes. As coinfecções são comuns e geralmente levam a resultados clínicos mais graves do que as infecções isoladas.

As interações sinérgicas bidirecionais entre esses patógenos respiratórios simultâneos contribuem para manifestações clínicas graves e altas taxas de mortalidade. Em aves domésticas, a síndrome respiratória pode ser causada por infecções e fatores não infecciosos. Os fatores infecciosos incluem vírus, bactérias, Mycoplasma e Chlamydia,enquanto os fatores não infecciosos geralmente decorrem de falhas nos programas de biosseguridade, de ambiência e de manejos mal executados que geram má qualidade do ar e causam irritação nas vias respiratórias, predispondo às aves aos agentes infecciosos.

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Os principais agentes patogênicos incluem o vírus da bronquite infecciosa (IBV), o vírus da influenza aviária (AIV), o vírus da doença de Newcastle (NDV) e o vírus da laringotraqueíte infecciosa (ILTV).

As consequências e perdas causadas pelas síndromes respiratórias como pelo IBV, não apenas incluem as granjas de frango de corte, mas também outros setores. Além das perdas econômicas geradas pelo comprometimento dos parâmetros zootécnicos das aves (incluindo mortalidade final e despesas com tratamentos antimicrobianos), também no abatedouro, as perdas podem ser diretas (condenações sanitárias), ou indiretas, aumentando o custo de produção de carcaça devido ao aumento de horas paradas ou diminuição da velocidade na linha de abate para fazer as condenações.

As infecções nas granjas de matrizes ou avós, resultam em mortalidade, custos com medicação e infertilidade e ovos com cascas mal mineralizadas. Os prejuízos podem se estender ao incubatório devido a redução de vários indicadores de produtividade e devido a prevalência de patógenos oportunistas no sistema respiratório das aves que pode impactar a biosseguridade deste ambiente, potencializando a difusão destas afecções respiratórias por toda a integração.

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Ainda, a progênie de um lote de matrizes infectadas, terá um baixo desempenho inicial na granja de frango de corte devido à sua qualidade inferior o que facilitará a apresentação de quadros bacterianos ou virais nos primeiros 10 dias de vida.

Nas aves, os pulmões são conectados a nove sacos aéreos. Essas estruturas permitem uma alta eficiência de troca de ar, uma vez que, após passar pelos sacos aéreos posteriores, o ar é forçado através dos pulmões por compressão dos brônquios primários, antes de retornar para o exterior. Apesar de possuírem pulmões rígidos e pequenos, esse mecanismo permite que a ventilação ocorra de forma eficaz nas aves. No entanto, devido a esse fator, as aves ficam mais expostas aos agentes externos e à variação do ambiente.

Assim, nas aves, a respiração se processa mediante um contínuo movimento de ar, sem uma pausa, como nos mamíferos. Se a ave estiver debilitada, agentes infecciosos que penetrarem neste sistema poderão predispor às síndromes respiratórias que são decorrentes de interações complexas entre patógenos e fatores ambientais como a temperatura e a umidade do ambiente, ventilação, a amônia e a poeira.

Quando a cama do aviário é muito seca e com formação de pó, podem ser observados problemas com doenças respiratórias e maior taxa de condenação no abatedouro. Por outro lado, camas muito úmidas propiciam a formação de amônia.

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A baixa digestibilidade da dieta, disbioses, estresse por calor, excessivo uso das placas evaporativas e nebulizadores, mal regulagem de bebedouros (vazão, pressão e altura) e alta densidade de alojamento são fatores críticos que contribuem com o aumento da umidade das camas. O excesso de amônia em contato com as aves de forma contínua é um dos fatores que pode provocar o desenvolvimento da aerossaculite.

A presença de amônia no galpão, mesmo em níveis baixos, gera irritação da mucosa respiratória das aves, redução do movimento ciliar da mucosa da traqueia e aumenta a predisposição para doenças respiratórias. Além desses fatores predisponentes à aerossaculite e às síndromes respiratórias, as aves de produção são consideradas animais sensíveis a variações climáticas em decorrência da sua dificuldade de ajustar a temperatura corpórea em pouco intervalo de tempo.

Épocas do ano em que há ocorrência de variações bruscas de temperatura, ocorre o aumento da ocorrência de enfermidadescomo a aerossaculite pois o animal passará por um estresse térmico, que reduz a imunidade, e exaustão fisiológica durante as tentativas de retenção ou perda de calor. Essas falhas podem ser ocasionadas principalmente por manejo inadequado das instalações (estruturas mal dimensionadas, falta de isolamento, falhas de projetos e de treinamento de pessoas).

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Esse desequilíbrio resulta também em danos intestinais significativos e no aumento da proliferação de proteobactérias, principalmente Escherichia coli. A infecção simultânea com vírus respiratórios e Escherichia coli patogênica aviária (APEC) tem um impacto mais significativo no trato respiratório das aves em comparação com uma única infecção por APEC, sugerindo que a imunopatogênese desempenha um papel na persistência das lesões.

Além disso, a coinfecção com IBV e APEC pode levar a complicações crônicas e perdas econômicas significativas no setor avícola global. Embora a APEC seja normalmente não intestinal, ela pode habitar o intestino e causar infecções em condições ambientais específicas. A sinalização imunológica da mucosa respiratória comprometida e os efeitos indiretos sobre a mucosa intestinal podem contribuir para a quebra da funcionalidade da mucosa intestinal, alteração da microbiota e a geração de um ambiente propício para a proliferação da Salmonella spp..

Em casos de fragilidade intestinal, a elasticidade dos intestinos é reduzida. Com isso, durante a tração, os intestinos estarão mais propensos à ruptura, extravasamento de conteúdo fecal, ruptura de vesícula biliar e condenação sanitária.

Muitos casos de salmonelose humana são atribuídos ao consumo de carne de aves, pois as aves são um importante reservatório desse microrganismo. Além da proliferação da Salmonella no ambiente intestinal em disbiose, pode ocorrer a translocação e a contaminação das carcaças durante os processos de evisceração das carcaças.  Os abatedouros são fontes potenciais de contaminação cruzada de carne de frango por Salmonella, representando um estágio crítico para o controle de sua disseminação na cadeia alimentar.

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Nas indústrias, após o abate, as carcaças podem ser contaminadas por Salmonella por contaminação cruzada dentro do mesmo lote ou por lotes previamente abatidos. A contaminação cruzada também pode ocorrer por equipamentos, utensílios e água e agravada pela formação em potencial de biofilmes, garantindo a sobrevivência desse agente.

Além de impactar severamente as exportações, os sorovares responsáveis pela salmonelose zoonótica representam importantes agentes etiológicos envolvidos em surtos de toxinfecções alimentares registrados nos hospitais. Outro agente, considerado emergente, apesar de não ser transmitido pelos alimentos como carne e ovos, é o vírus da influenza aviária de alta patogenicidade (IAAP) que causa alta morbidade e mortalidade nos plantéis avícolas devido ao severo comprometimento do sistema respiratório.

Essa doença respiratória pode ser considerada uma zoonose aviária de grande preocupação para a saúde pública devido ao potencial do vírus sofrer mutações que permite passar da transmissão de aves para humanos para a transmissão de humanos para humanos, o que pode resultar em epidemias ou pandemias. Entretanto, é importante ressaltar que essa transmissão ainda é considerada rara e não ocorre por meio do consumo da carne de aves e sim pelo contato direto com as secreções de aves infectadas (saliva, muco, fezes) ou ambientes contaminados.

As condenações decorrentes de motivos sanitários envolvendo as síndromes respiratórias resultam em perdas associadas com a redução de velocidade das linhas de abate, atrasos e reprocesso das carcaças e com as perdas das partes afetadas e condenadas acarretando prejuízos em toda a cadeia e se estendendo ao consumidor final.

O impacto das síndromes respiratórias na qualidade do frango e nos programas de segurança dos alimentos

Como produzir proteína animal de modo mais intensificado sem que haja maiores riscos à segurança alimentar?

É necessário desenvolver estratégias de melhoria na aplicação das normas de biosseguridade em todos os elos da cadeia, as quais não são cumpridas na sua totalidade.

A capacitação e treinamento de colaboradores e técnicos é fundamental para que haja a compreensão da importância do fortalecimento das barreiras externas de proteção à ave e de que todos os possíveis riscos de contágio através do manejo errôneo, carências em protocolos de higienização e desinfecção do ambiente aumentam o risco de contaminação e, por conseguinte, comprometem a produtividade dos animais e possibilidade de perdas econômicas.

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Nessa perspectiva, como forma de prevenção e controle é necessário adequar o sistema de produção a protocolos de biosseguridade e sanidade avícola como boa higienização e desinfecção do ambiente, vazio sanitário, controle de temperatura para evitar variações climáticas bruscas, manejo adequado da cama evitando assim umidade e dispersão de poeira, correto dimensionamento dos sistemas de ventilação visando a remoção de agentes patogênicos e a disseminação por via aerógena nos galpões e um rígido e eficiente manejo para evitar o acometimento dos plantéis pelas síndromes respiratórias, responsáveis por propiciar significativas e crescentes perdas econômicas para a indústria avícola.

 

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