O ovo é um alimento especial, riquíssimo em nutrientes essenciais para a saúde, versátil e seguro. A maioria dos ovos não é contaminada por Salmonella spp. ou outros microrganismos, mas seu alto consumo, por vezes associado ao cozimento insuficiente, tornaram este alimento uma recorrente preocupação de saúde pública. Visando reforçar o status de alimento seguro, associamos as boas práticas de produção com informações sobre as vias de contaminação por Salmonella spp. e as barreiras antimicrobianas naturais dos ovos.
Como ocorre a contaminação dos ovos por Salmonella spp?
Em condições saudáveis de reprodução e postura o conteúdo dos ovos geralmente é isento de microrganismos. Entretanto, o interior e a casca dos ovos podem ser contaminados por diferentes sorovares de Salmonella spp. antes da postura, como resultado da infecção dos órgãos reprodutores da galinha, recebendo a denominação de via de transmissão vertical ou transovariana, ou contaminação primária.
Enteritidis
Salmonella enterica sorovar Enteritidis é a bactéria mais associada com infecção dos ovos. Isto pode ser atribuído a três fatores principais:
Se a galinha estiver infectada por diferentes cepas, sorovares e subespécies de Salmonella, necessariamente não significa que todos os ovos oriundos desta ave serão contaminados. Galinhas portadoras podem originar ovos livres da bactéria (Gantois et al 2008).
Entretanto, a permanência de portadoras dentro das granjas favorece a adaptação bacteriana naquele ambiente, colocando em risco a manutenção futura da atividade avícola, além dos potenciais impactos em saúde pública.
As cepas que permanecerem naquele ambiente podem paulatinamente adquirir resistência e maior viabilidade de infecção. Sabe-se que as galinhas podem se infectar com Salmonella spp. em qualquer fase da vida, mas infecções nas primeiras horas de vida são epidemiologicamente as mais importantes (AgrawL et al., 2005).
A exposição de pintinhos jovens, altamente suscetíveis a S. Enteritidis pode resultar na colonização do trato intestinal, persistindo até a maturidade (Gast and Holt, 1998; Van Immerseel et al., 2004).
A outra rota de contaminação por Salmonella spp. é pela superfície da casca, com eventual penetração dos microrganismos. Os ovos são particularmente propensos a essa contaminação após a postura, a via de transmissão horizontal ou através da casca, também denominada contaminação secundária.
Em se tratando de contaminação do ar por Salmonella spp., ressalta-se que a bactéria apresenta boa viabilidade no ambiente de produção e excelente adaptação na poeira. Em estudos conduzidos por McWhorter & Chousalkar (2020), Salmonella spp. persistiu em amostras de poeira por 8 semanas. De acordo com os autores o teor de umidade total da poeira (atividade da água) influencia a persistência desta bactéria.
Além da contaminação transovariana, a casca pode adquirir microrganismos de todas as superfícies com as quais entra em contato e do ar ambiente. Fezes, água suja, alimentação contaminada, insetos, mãos sujas, ovos quebrados, sangue, solo ou poeira da cinta da esteira são as fontes mais comuns de contaminação da casca do ovo (Ricke et al., 2001). A extensão da contaminação dos ovos está diretamente relacionada a limpeza e higiene dessas superfícies (Board et al., 1995).
Ambientes limpos de armazenamento nas granjas, mesmo em situações onde o ovo será armazenado por um período curto, influenciam na vida útil e qualidade do ovo, além de propiciar maior segurança ao consumidor por minimizar a ocorrência de contaminação da casca do ovo.
Existem barreiras antimicrobianas naturais nos ovos
O ovo possui um sistema de defesa que impede a penetração dos microrganismos e, particularmente a deterioração do seu compartimento vital mais nutritivo, a gema.
A cutícula, a casca e suas membranas constituem a primeira barreira de proteção (Figura 1). A chalaza também atua como barreira física, e em combinação com a viscosidade do albúmen, mantem a gema numa posição central. A última barreira é a membrana vilelina que envolve a gema (EFSA, 2014; Okuno et al., 2019).
O albúmen (claro do ovo), além de integrar as barreiras físicas da gema, apresenta um conjunto de compostos químicos (proteínas e peptídeos) com ação anti-Salmonella, como lisozima, ovotransferrina, quelantes de vitaminas e inibidores de protease (Baron et al., 2016). Num complexo sistema de ataque, desenvolvido em pH alcalino do albúmen, o arsenal químico do ovo limita o acesso a nutrientes essenciais para sobrevivência e multiplicação de diferentes sorovares de Salmonella spp., além de promover a letalidade microbiana.
Há diferenças entre a capacidade de invasão e multiplicação dos sorovares de Salmonella spp, atribuídas a vários fatores, incluindo:
Assim, a consistente prevenção de contaminações do ovo demanda uma condução profissional das práticas de produção.
O ovo fresco, apresenta qualidade máxima, que mesmo sob condições de manuseio adequadas, diminuiu com o tempo, particularmente em altas temperaturas de armazenamento.
Vadehra et al (1970) verificou que a proteção máxima conferida pela cutícula a temperatura ambiente, dura pelo menos quatro dias, enquanto Viera (1996) estimou um período de três semanas para a cutícula ficar quebradiça e progressivamente degradar. Imediatamente após a postura, a cutícula que recobre a casca é imatura, isto abre uma oportunidade para penetração dos microrganismos (Gantois, 2012). Este é um momento crítico, especialmente nos primeiros minutos pós-oviposição, quando a cutícula está úmida e muitos poros ainda não foram preenchidos, apresentando uma barreira menos eficaz que a cobertura madura de um ovo fresco (Padron, 1990).
Por isto, as superfícies de contato do ovo logo após a postura precisam estar visualmente limpas, evitando-se pelo menos o acúmulo de sujidades do ambiente de produção (Figura 2).
Em estudo conduzido por Board et al, (1979), foi verificado que a remoção da cutícula por tratamento químico com EDTA ou abrasão da casca podem aumentar a penetração de bactérias.
A remoção da cutícula pode aumentar a penetração de Salmonella spp. nos ovos entre 20 a 60%, de acordo com Wilson (2017).
Limpeza na granja com paninhos que logo estão sujos (Figura 3) também pode prejudicar a qualidade do ovo e aumentar a contaminação microbiana, logo, não deve ser um procedimento adotado.
Durante o armazenamento na propriedade, bem como no transporte, práticas inadequadas de manuseio podem levar à ruptura das barreiras físicas do ovo. A presença de trincas aumenta o risco de penetração de microrganismos ou pode resultar em vazamento de conteúdo, afetando a qualidade da casca de vários ovos adjacentes.
A casca é a embalagem natural que protege e confere qualidade interna ao ovo após a postura, de modo que o conteúdo não pode ser dissociado do invólucro.
PARÂMETROS EXTERNOS E INTERNOS DE QUALIDADE
Os parâmetros externos são determinados por:
Os parâmetros internos incluem:
A presença de sujidades visíveis e falta de integridade da casca do ovo são defeitos críticos. Ressalta-se também que o albúmen e a membrana vitelina são determinantes para a segurança microbiológica dos ovos, além de indicadores de ovos frescos (Yu Chi liu et al., 2017). Foi feito relato de correlação significativa entre o nível de contaminação externa e o grau de penetração bacteriano. Inferindo que a qualidade interna dos ovos pode ser parcialmente julgada pela contaminação externa da casca (Wilson, 2017).
Existem mecanismos de prevenção nas granjas pela adoção as Boas Práticas de Produção (BPP)
Detalhamento acerca de estrutura de biosseguridade estão disponíveis em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/179036/1/Cartilha-Final-SABRINA.pdf
Em situações de pequena escala de produção consultar o arquivo: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/211892/1/Folheto-Biosseguridade.pdf
Atendidos todos os critérios de estrutura, alguns requisitos básicos são muito importantes na produção de ovos seguros, dentre eles destacamos:
O ambiente produtivo deve ser:
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- Confortável
- Limpo
- Possuir bom controle de moscas, roedores, ácaros e outras pragas.
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Condições de boa higiene devem ser aplicadas dentro do galpão e na área externa.
Importante manter vegetação aparada e o ambiente livre de entulhos. Como mencionado, ambientes sujos podem promover a contaminação do ovo, portanto, a limpeza e desinfecção do ambiente onde as aves estão alojadas é medida importante de prevenção e obtenção de ovos de qualidade.
As aves mortas precisam ser retiradas o mais imediatamente possível e destinadas a sistema de compostagem ou outro método capaz de inativar patógenos.
No final do ciclo de produção, as aves devem ser devidamente encaminhadas para abate acompanhadas de Guia de Trânsito Animal (GTA), fornecida pelo serviço oficial do estado.
Após a remoção de todas as aves deve ser realizada a retirada dos utensílios do aviário para a execução de completa limpeza e desinfecção do galpão, seguido do período de vazio sanitário de no mínimo 15 dias. Este é um período muito importante para quebrar o ciclo de possíveis patógenos presentes no ambiente e prevenção de doenças no lote seguinte.
Só faz bem quem continuamente aprimora a compreensão do que deve fazer. Compreender quais os pontos de maior risco na atividade e quais medidas de manejo podem gerar maior conforto para as aves é essencial.
As granjas avícolas de produção de ovos, independente do seu tamanho devem ter registros com descrição dos dados de produção de ovos, vacinações realizadas, medicamentos utilizados, morbidade e mortalidade diárias. Essas informações possibilitam o gerenciamento da granja.
Enfim, ovos são livres de Salmonella spp. por práticas preventivas realizadas nas granjas, e pelas características do próprio ovo, que o tornam uma proteína segura e de qualidade para o consumo.
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