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Por que os ovos não são contaminados por Salmonela?

Escrito por: Eduardo Henrique Miranda Walter - Pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos Engenheiro de Alimentos , Sabrina Castilho Duarte - Pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves Médica Veterinária
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embrapa ovos

O ovo é um alimento especial, riquíssimo em nutrientes essenciais para a saúde, versátil e seguro. A maioria dos ovos não é contaminada por Salmonella spp. ou outros microrganismos, mas seu alto consumo, por vezes associado ao cozimento insuficiente, tornaram este alimento uma recorrente preocupação de saúde pública. Visando reforçar o status de alimento seguro, associamos as boas práticas de produção com informações sobre as vias de contaminação por Salmonella spp. e as barreiras antimicrobianas naturais dos ovos.

Entende-se por Boas Práticas de Produção (BPP) o conjunto de medidas que devem ser adotadas pelo produtor para garantir a sua própria biossegurança, a biosseguridade avícola e a qualidade dos ovos. As boas práticas de higiene no sistema de produção são fundamentais para prevenir a contaminação dos ovos.

Como ocorre a contaminação dos ovos por Salmonella spp?

Em condições saudáveis de reprodução e postura o conteúdo dos ovos geralmente é isento de microrganismos. Entretanto, o interior e a casca dos ovos podem ser contaminados por diferentes sorovares de Salmonella spp. antes da postura, como resultado da infecção dos órgãos reprodutores da galinha, recebendo a denominação de via de transmissão vertical ou transovariana, ou contaminação primária.

Enteritidis

Salmonella enterica sorovar Enteritidis é a bactéria mais associada com infecção dos ovos. Isto pode ser atribuído a três fatores principais:

Sua capacidade efetiva de colonizar o ovário e o oviduto das galinhas poedeiras por um longo período.

A disseminação e persistência em matrizes na maior parte do mundo.

Habilidade diferencial em penetrar, sobrevier e multiplicar no interior do ovo (Baron et al., 2016; EFSA, 2014; Thorns, 2000).

Se a galinha estiver infectada por diferentes cepas, sorovares e subespécies de Salmonella, necessariamente não significa que todos os ovos oriundos desta ave serão contaminados. Galinhas portadoras podem originar ovos livres da bactéria (Gantois et al 2008).

Entretanto, a permanência de portadoras dentro das granjas favorece a adaptação bacteriana naquele ambiente, colocando em risco a manutenção futura da atividade avícola, além dos potenciais impactos em saúde pública.

As cepas que permanecerem naquele ambiente podem paulatinamente adquirir resistência e maior viabilidade de infecção. Sabe-se que as galinhas podem se infectar com Salmonella spp. em qualquer fase da vida, mas infecções nas primeiras horas de vida são epidemiologicamente as mais importantes (AgrawL et al., 2005).

A exposição de pintinhos jovens, altamente suscetíveis a S. Enteritidis pode resultar na colonização do trato intestinal, persistindo até a maturidade (Gast and Holt, 1998; Van Immerseel et al., 2004).

A outra rota de contaminação por Salmonella spp. é pela superfície da casca, com eventual penetração dos microrganismos. Os ovos são particularmente propensos a essa contaminação após a postura, a via de transmissão horizontal ou através da casca, também denominada contaminação secundária.

Em se tratando de contaminação do ar por Salmonella spp., ressalta-se que a bactéria apresenta boa viabilidade no ambiente de produção e excelente adaptação na poeira. Em estudos conduzidos por McWhorter & Chousalkar (2020), Salmonella spp. persistiu em amostras de poeira por 8 semanas. De acordo com os autores o teor de umidade total da poeira (atividade da água) influencia a persistência desta bactéria.

Além da contaminação transovariana, a casca pode adquirir microrganismos de todas as superfícies com as quais entra em contato e do ar ambiente. Fezes, água suja, alimentação contaminada, insetos, mãos sujas, ovos quebrados, sangue, solo ou poeira da cinta da esteira são as fontes mais comuns de contaminação da casca do ovo (Ricke et al., 2001). A extensão da contaminação dos ovos está diretamente relacionada a limpeza e higiene dessas superfícies (Board et al., 1995).

Ambientes limpos de armazenamento nas granjas, mesmo em situações onde o ovo será armazenado por um período curto, influenciam na vida útil e qualidade do ovo, além de propiciar maior segurança ao consumidor por minimizar a ocorrência de contaminação da casca do ovo.

Existem barreiras antimicrobianas naturais nos ovos

O ovo possui um sistema de defesa que impede a penetração dos microrganismos e, particularmente a deterioração do seu compartimento vital mais nutritivo, a gema.

A cutícula, a casca e suas membranas constituem a primeira barreira de proteção (Figura 1). A chalaza também atua como barreira física, e em combinação com a viscosidade do albúmen, mantem a gema numa posição central. A última barreira é a membrana vilelina que envolve a gema (EFSA, 2014; Okuno et al., 2019).

O albúmen (claro do ovo), além de integrar as barreiras físicas da gema, apresenta um conjunto de compostos químicos (proteínas e peptídeos) com ação anti-Salmonella, como lisozima, ovotransferrina, quelantes de vitaminas e inibidores de protease (Baron et al., 2016). Num complexo sistema de ataque, desenvolvido em pH alcalino do albúmen, o arsenal químico do ovo limita o acesso a nutrientes essenciais para sobrevivência e multiplicação de diferentes sorovares de Salmonella spp., além de promover a letalidade microbiana.

Há diferenças entre a capacidade de invasão e multiplicação dos sorovares de Salmonella spp, atribuídas a vários fatores, incluindo:

A capacidade de penetração

A concentração do sorovar

A umidade da casca

As condições de armazenamento dos ovos

Assim, a consistente prevenção de contaminações do ovo demanda uma condução profissional das práticas de produção.

O ovo fresco, apresenta qualidade máxima, que mesmo sob condições de manuseio adequadas, diminuiu com o tempo, particularmente em altas temperaturas de armazenamento.

Vadehra et al (1970) verificou que a proteção máxima conferida pela cutícula a temperatura ambiente, dura pelo menos quatro dias, enquanto Viera (1996) estimou um período de três semanas para a cutícula ficar quebradiça e progressivamente degradar. Imediatamente após a postura, a cutícula que recobre a casca é imatura, isto abre uma oportunidade para penetração dos microrganismos (Gantois, 2012). Este é um momento crítico, especialmente nos primeiros minutos pós-oviposição, quando a cutícula está úmida e muitos poros ainda não foram preenchidos, apresentando uma barreira menos eficaz que a cobertura madura de um ovo fresco (Padron, 1990).

Por isto, as superfícies de contato do ovo logo após a postura precisam estar visualmente limpas, evitando-se pelo menos o acúmulo de sujidades do ambiente de produção (Figura 2).

Figura 2: Ambiente contendo sujidades. Inadequado para obtenção de ovos de qualidade. Foto- Sabrina Duarte.

Em estudo conduzido por Board et al, (1979), foi verificado que a remoção da cutícula por tratamento químico com EDTA ou abrasão da casca podem aumentar a penetração de bactérias.

A remoção da cutícula pode aumentar a penetração de Salmonella spp. nos ovos entre 20 a 60%, de acordo com Wilson (2017).

Desse modo, não são indicados procedimentos abrasivos nos momentos pós-postura pois, essa abrasão, muitas vezes realizada com esponjas, pode prejudicar a qualidade da cutícula e propagar a contaminação microbiana.

Limpeza na granja com paninhos que logo estão sujos (Figura 3) também pode prejudicar a qualidade do ovo e aumentar a contaminação microbiana, logo, não deve ser um procedimento adotado.

Figura 3: Panos em condições inadequadas utilizado em granja para limpeza do ovo. Foto- Sabrina Duarte

Qualquer procedimento de limpeza para retirar fezes e outras sujidades eventualmente aderidas a casca dos ovos deve ser realizada em local e condições adequadas para esta atividade. O que pode e deve ser feito na granja é a separação de ovos limpos e sujos, minimizando a contaminação dos ovos naturalmente limpos. Salas separadas, contendo estrados ou mesas distantes das paredes que propiciem armazenamento temporário em local limpo e arejado são boas práticas de produção.

Durante o armazenamento na propriedade, bem como no transporte, práticas inadequadas de manuseio podem levar à ruptura das barreiras físicas do ovo. A presença de trincas aumenta o risco de penetração de microrganismos ou pode resultar em vazamento de conteúdo, afetando a qualidade da casca de vários ovos adjacentes.

A casca é a embalagem natural que protege e confere qualidade interna ao ovo após a postura, de modo que o conteúdo não pode ser dissociado do invólucro.

PARÂMETROS EXTERNOS E INTERNOS DE QUALIDADE

Os parâmetros externos são determinados por:

Formato, textura e resistência da casca fora de padrão.

Não conformidades de ordem higiênico-sanitária como presença de sujidades visíveis e falta de integridade.

Os parâmetros internos incluem:

Manchas ou descoloração na gema e no albúmen.

Consistência e claridade do albúmen fora do padrão.

Fragilidade da membrana vitelina (EFSA, 2014; Yu Chi Iiu et al., 2017).

A presença de sujidades visíveis e falta de integridade da casca do ovo são defeitos críticos. Ressalta-se também que o albúmen e a membrana vitelina são determinantes para a segurança microbiológica dos ovos, além de indicadores de ovos frescos (Yu Chi liu et al., 2017). Foi feito relato de correlação significativa entre o nível de contaminação externa e o grau de penetração bacteriano. Inferindo que a qualidade interna dos ovos pode ser parcialmente julgada pela contaminação externa da casca (Wilson, 2017).

Existem mecanismos de prevenção nas granjas pela adoção as Boas Práticas de Produção (BPP)

A prevenção inicia pela localização do aviário. Deve-se buscar o maior isolamento possível, para diminuir o acesso de pessoas e evitar proximidade de rodovias e circulação de veículos. Estas distâncias estão previstas na legislação.

Além disso, deve-se evitar a proximidade dos galpões ou sistemas de criação com árvores frutíferas, pois essas plantas podem servir como abrigo e fonte de alimento para pássaros, o que representa risco de transmissão de agentes patogênicos às aves.
Como prevenção, o telamento dos galpões é obrigatório e visa evitar o contato direto das aves com aves de vida livre, potenciais disseminadores de patógenos.
Quando as aves têm acesso a piquetes a alimentação deve estar no interior do galpão ou estrutura telada, visando evitar o atrativo para aves de vida livre.
Deve ser proibida a entrada e permanência de qualquer animal alheio ao sistema de produção e áreas próximas aos galpões, tais como cães ou gatos.
É fundamental a presença de cerca de segurança com altura mínima de um metro e afastamento de pelo menos cinco metros do galpão ou estrutura de alojamento.
Tendo um único portão de acesso, para coibir o livre trânsito de pessoas tal como previsto na legislação.
Devem ser implementados meios para higienização de veículos que porventura precisem adentrar no sistema produtivo.
Na porta de acesso ao aviário devem ser colocados recipientes com desinfetantes (pedilúvios) que permitam a desinfecção dos calçados ou outro mecanismo que permita a devida higienização.
É essencial estimular a utilização de vestuário e calçados limpos no setor produtivo, bem como cuidados de higiene pessoal como a lavagem das mãos antes do acesso aos aviários.

Detalhamento acerca de estrutura de biosseguridade estão disponíveis em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/179036/1/Cartilha-Final-SABRINA.pdf

Em situações de pequena escala de produção consultar o arquivo: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/211892/1/Folheto-Biosseguridade.pdf

Atendidos todos os critérios de estrutura, alguns requisitos básicos são muito importantes na produção de ovos seguros, dentre eles destacamos:

Matriz saudável: É fundamental que as aves sejam oriundas de fontes seguras e livres de patógenos.

Ambiente limpo e confortável:

O ambiente produtivo deve ser:

Condições de boa higiene devem ser aplicadas dentro do galpão e na área externa.

Importante manter vegetação aparada e o ambiente livre de entulhos. Como mencionado, ambientes sujos podem promover a contaminação do ovo, portanto, a limpeza e desinfecção do ambiente onde as aves estão alojadas é medida importante de prevenção e obtenção de ovos de qualidade.

Cuidados quanto a água e alimentação das aves, que devem ser armazenadas em locais limpos e no caso da ração em silos e/ou containers com tampas. A qualidade da água e ração ofertadas para as aves são fundamentais para manutenção da saúde. Se estiverem contaminados levam doenças às aves.

Cuidado com adensamento: A densidade adequada das aves nos diferentes sistemas de criação assegura bem-estar e saúde

Destino correto de dejetos:

As aves mortas precisam ser retiradas o mais imediatamente possível e destinadas a sistema de compostagem ou outro método capaz de inativar patógenos.

No final do ciclo de produção, as aves devem ser devidamente encaminhadas para abate acompanhadas de Guia de Trânsito Animal (GTA), fornecida pelo serviço oficial do estado.

Higiene e limpeza total no fim do lote de produção:

Após a remoção de todas as aves deve ser realizada a retirada dos utensílios do aviário para a execução de completa limpeza e desinfecção do galpão, seguido do período de vazio sanitário de no mínimo 15 dias. Este é um período muito importante para quebrar o ciclo de possíveis patógenos presentes no ambiente e prevenção de doenças no lote seguinte.

Treinamento contínuo de todos os envolvidos nas atividades previstas no sistema de produção:

Só faz bem quem continuamente aprimora a compreensão do que deve fazer. Compreender quais os pontos de maior risco na atividade e quais medidas de manejo podem gerar maior conforto para as aves é essencial.

Manter registro de tudo que é realizado na granja:

As granjas avícolas de produção de ovos, independente do seu tamanho devem ter registros com descrição dos dados de produção de ovos, vacinações realizadas, medicamentos utilizados, morbidade e mortalidade diárias. Essas informações possibilitam o gerenciamento da granja.

Enfim, ovos são livres de Salmonella spp. por práticas preventivas realizadas nas granjas, e pelas características do próprio ovo, que o tornam uma proteína segura e de qualidade para o consumo.

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