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A indústria de produção de ovos comerciais tornou-se o principal alvo de grupos ativistas do bem-estar animal que, além disso, têm utilizado a bandeira da resistência aos antibióticos para impor ainda mais pressões sobre a indústria produtora de ovos. A realidade é que, em algumas regiões como a União Europeia, América do Norte e Australasia, já não há como voltar atrás e a próxima será, ao menos em parte, a América Latina. A indústria deverá transformar seus sistemas de produção para satisfazer aos consumidores, às cadeias de supermercados, às cadeias de restaurantes de comida rápida, às empresas processadoras de alimentos e toda a indústria que depende significativamente da utilização de ovoprodutos, simplesmente para manter e melhorar sua imagem corporativa, ou porque realmente lhes preocupa o bem-estar animal. A indústria produtora de ovo está buscando saídas para que estas mudanças não sejam de todo mal, adicionando valor agregado a seus produtos. Por exemplo, os ovos livres de gaiola, orgânicos, caipiras ou livres de antibióticos têm um sobrepreço para os consumidores que podem absorver maior custo em seus alimentos. Embora a indústria do ovo esteja aprendendo rapidamente a adaptar-se a estas mudanças, muitas empresas sofrem inúmeros contratempos no processo de aprendizagem.
Figura 1. Exemplos de empresas, restaurantes e cadeias de supermercados que anunciaram sua intenção de utilizar somente ovos produzidos livres de gaiolas na América do Norte (Canadá, Estados Unidos, México).
Entre os principais desafios esperados na transição para a produção de ovo livre de gaiola estão:
MAIOR MORTALIDADE
A maior mortalidade poderá se dever a traumatismos, bicadas, ataques de animais selvagens e infecções gastrointestinais do tipo viral, bacteriano ou parasitária.
Um dos aprendizados mais importantes consiste no fato de que nem todas as linhas genéticas se adaptam facilmente à produção de ovo em sistemas livres de gaiola.
Isto é especialmente verdadeiro em relação a aves Leghorn brancas pois somente algumas linhas genéticas servem para a produção livre de gaiolas; algumas destas linhas são excessivamente nervosas e podem sofrer mortalidade elevada devido ao constante estresse e nervosismo que manifestam em espaços abertos. É importante consultar as empresas de genética para utilizar as linhas genéticas que melhor se adaptam à produção em galpões convencionais ou em sistemas de aviários e similares.
A produção de ovo orgânico em pasto exige que as aves tenham acesso ao exterior, o que as expõe a animais predadores.
Existem países na União Europeia onde a mortalidade por ataques de raposas ou águias pode chegar a mais de 10%. Em algumas ocasiões, as aves podem ainda desenvolver problemas de canibalismo o que torna importante cuidar de todos os aspectos de manejo voltados para a redução de problemas de bicadas e asfixia. Além disso, as aves criadas soltas, naturalmente, serão mais suscetíveis a infecções bacterianas e parasitárias.
Os problemas de enterite necrótica, cólera aviar, erisipela e histomonose tem se tornado desafios frequentes nas aves de chão e com acesso ao exterior, enquanto este tipo de problemas são praticamente desconhecidos em aves alojadas em gaiolas.
A Figura 2 ilustra como exemplo a mortalidade registrada em uma empresa que recentemente passou por uma transição de produção em gaiolas para produção em sistemas de aviários livres de gaiola
Figura 2. Mortalidade em 60 semanas (%)
A Figura 2 é um exemplo de experiências que podem ter as empresas em transição de produção de ovo em gaiola para produção de ovo livre de gaiola. A empresa ilustrada neste gráfico tinha uma mortalidade média de aproximadamente 4-5% às 60 semanas de idade (barras azuis), porém esta mortalidade praticamente se duplicou ao iniciar-se a produção em aviários sem gaiolas (barras amarelas).
Grande parte da mortalidade nas galinhas alojadas em aviários se deveu a infecções intestinais e traumatismos ocasionados pelos equipamentos dos galpões
Além disso, a empresa teve que aprender a imunizar suas galinhas contra enfermidades para as quais normalmente não tinha um programa de vacinação ou de control, como por exemplo coccidiose, enterite necrótica e cólera aviar. Esta empresa também demorou para descobrir que existem linhas genéticas muito mais adaptáveis à produção fora de gaiola.
MAIOR PRODUÇÃO DE OVOS DE PISO
Um dos problemas de manejo mais importantes na produção em sistemas sem gaiolas é a postura de ovos no chão.
Algumas linhas genéticas apresentam mais problemas de postura no chão que outras e é importante informar-se deste problema potencial no momento de iniciar a busca de linhas genéticas para este tipo de produção. No entanto, ainda que exista uma predisposição genética para a postura de ovos no chão, no início da produção, são realmente os problemas de manejo que precisam ser lidados favorecendo a postura no piso.
Por exemplo, não se deve permitir o acúmulo de ovos no chão e estes devem ser recolhidos o mais frequentemente possível enquanto o lote de galinhas alcança seu pico de produção. Além disso, deve evitar-se zonas escuras, que atraiam as galinhas para por ovos.
Na América do Norte, a legislação indica que todos os ovos devem ser lavados, desinfetados e refrigerados antes da comercialização. Esta legislação permite mitigar o impacto dos ovos de piso ou sujos pois ao lavar-los e desinfetá-los se recupera uma grande porcentagem dos ovos sujos.
Ao contrário, na União Europeia a filosofia é totalmente distinta, pois não é permitido lavar e desinfetar ovos sujos e por isso as perdas podem ser enormes quando há ovos de piso e/ou demasiado sujos, dado que hoje em dia uma grande proporção dos ovos comercializados na União Europeia são produzidos por galinhas livres de gaiola.
Quando a indústria decidiu há muitos anos produzir ovos de galinhas em gaiolas, isto se deu em grande parte para melhorar a sanidade dos ovos e evitar seu contato com o chão e matéria fecal. Uma grande desvantagem da produção de ovos livres de gaiola é a contaminação potencial com patógenos que ponham em perigo a segurança dos alimentos.
Isto não significa que não seja possível produzir sanitariamente ovos livres de gaiola; No entanto, pode se dificultar mais a manutenção de altos padrões de segurança ante a produção de ovo livre de gaiola.
MENOR PORCENTAGEM DE UTILIZAÇÃO DE OVOS
Em empresas de países onde não se costuma lavar e desinfetar ovos, ou onde está proibido fazê-lo, será naturalmente mais difícil manter um alto percentual de utilização dos ovos produzidos, pois muitos deles poderão estar suficientemente sujos a ponto de não se qualificarem como ovos vendáveis.
O que se deve esperar como problemas principais do ponto de vista sanitário ou veterinário?
Deve-se considerar sete principais áreas de preocupação:
Vírus intestinais que causam problemas durante as primeiras duas semanas de vida, o que inclui Astrovirus, Reovírus, Enterovírus, Rotavírus, Parvovírus e Picornavírus.
Parasitas diversos que causam enterite aumentam a mortalidade e a necessidade de tratamentos terapêuticos. Por exemplo, as distintas coccidoses, histomonoses e infestações com vermes redondos (Capillaria, Ascaridia e Heterakis) ou planos (tênias diversas).
Bactérias, entre as quais as mais importantes são as que causam enterite ulcerativa (C. colinum) e enterite necrótica (C. perfringens). Também deve-se considerar que a probabilidade de infecção com Salmonela é permanente.
LESÕES & PREDAÇÃO
A maioria das perdas associadas a traumatismos são devidas a lesões induzidas pelo abundante equipamento que existe dentro dos aviários, a propensão das galinhas produtoras de ovo marrom para acumularem-se em alguns pontos dos galpões até asfixiarem-se; e os ataques de animais predadores.
SEGURANÇA ALIMENTAR
Vários estudos focados em determinar riscos de contaminação com Salmonela em granjas de aves em gaiolas ou de aves livres de gaiola têm produzido resultados contraditórios.
O importante é considerar que não se trata de uma concorrência entre aves livres de gaiola e aves em gaiola, mas sim à qualidade microbiológica do produto final. O relevante é que se vamos produzir ovos livres de gaiola devemos reconhecer os riscos e fazer todo o possível para minimizá-los.
PARASITAS
As aves criadas em gaiola são suscetíveis a infestações com endo e ectoparasitas, igualmente às aves alojadas em sistemas livres de gaiolas. No então, não há dúvida de que as aves com acesso ao piso e ao exterior têm um maior risco de serem afetadas por coccidias e Histomonas (sem mencionar a influenza aviária, um risco óbvio).
Deve-se elaborar um plano para prevenir estas infestações e é necessário estar consciente da possibilidade de sofrer infestações massivas com vermes. Poderá, inclusive, haver queixas por parte de consumidores devido à presença ocasional de vermes em ovos, o que pode se tornar um grave problema comercial.
Figura 4. Alguns parasitas frequentemente observados em galinhas alojadas em aviários livres de gaiola e com acesso ao exterior
INFECÇÕES BACTERIANAS
As 5 enfermidades ou infecções bacterianas que mais devem nos preocupar incluem Salmonela, Clostridium, E. coli, Erisipela e Pasteurella.
A primeira linha de defesa contra estas bactérias é a biossegurança, limpeza e desinfecção, além de medidas de manejo para minimizar estes problemas.
No caso da Clostridium, a prevenção e controle efetivo de coccidiose como fator predisponente é fundamental, além de manter o estado de saúde intestinal em condiciones ótimas. Existem vacinas para prevenir coccidiose (como fator predisponente), e vacinas ou bacterinas contra Salmonela, colibacilose e Pasteurelose (cólera aviar).
No caso da Erisipela, esta enfermidade pode ser prevenida mediante bacterinas autógenas e limitando a exposição à bactéria no campo.
BEM-ESTAR ANIMAL
A principal razão para eliminar a produção em gaiolas é o melhoramento das condições de vida das galinhas e com isso os padrões de bem-estar animal. Paradoxalmente, criar galinhas fora de gaiola, em algumas ocasiões, resulta em maior mortalidade e traumatismos, além de as galinhas poderem se infectar com agentes contra os quais já não há fármacos autorizados, ou simplesmente não se permite a medicação com nenhum produto, se a produção for ainda classificada como orgânica e livre de antibióticos.
NUTRIÇÃO
As aves livres de gaiola consomem e requerem mais alimentos e nutrientes. Não é pouco comum observar que as aves em piso, e especialmente em aviários, consumam até 18% mais alimento, particularmente se o sistema de produção inclui temperaturas inferiores à zona de conforto (menos de 21 graus centígrados).
Em resumo, deve-se monitorar várias áreas ao fazer a transição de produção em gaiola para produção livre de gaiola Algumas das áreas mais importantes incluem infecções virais, bacterianas e parasitárias. Pode se esperar, em alguns casos, maior mortalidade devido a infecções ou infestações intestinais, traumatismos e predação. Apesar destes riscos, é possível produzir ovos livres de gaiola exitosamente e com um valor agregado interessante para os nichos de mercado que podem absorver um sobrepreço por ovos livres de gaiola.