A carne de aves é uma proteína de alta qualidade e de grande relevância para assegurar a alimentação de milhões de pessoas ao redor do mundo, sendo o aumento do consumo de carne na última década impulsionado, principalmente, pelo setor de carne de aves, que representou dois terços da carne adicional consumida e deve ser responsável pela maior parte do crescimento de carne consumida até 2025.
Particularmente para carne crua de aves, a Salmonella representa o perigo microbiológico de maior relevância nos Programas de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (HACCP – sigla em inglês).
As diretrizes internacionais, por sua vez, estabelecem que a Prevenção, Controle e Monitoramento da Salmonella, devem seguir o conceito “FARM TO FORK”:
A Salmonella, por sua vez, figura como o patógeno de transmissão por alimentos de maior importância em todo o mundo, estando amplamente distribuída na natureza. O reservatório mais comum das Salmonella não tifóides, é o trato gastrointestinal de animais domésticos e silvestres, sendo a fonte de infecção relacionada a uma grande variedade de matrizes alimentares contaminadas por material fecal.
Desta forma, a Salmonella pode ser considerada o principal indicador de qualidade da biosseguridade na cadeia primária e higiene do processamento da carne de aves.
A comunidade científica, assim como a própria Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) vêm pontuando como um importante problema de saúde pública:
O nível de contaminação por Salmonella em carcaças positivas, no final da operação de processamento e no ponto de consumo.
- Ao consumo do produto mal cozido;
- À contaminação cruzada nas operações de acondicionamento, manuseio e preparo.
Neste sentido, a probabilidade de contaminação cruzada entre a carne crua e superfícies e outros alimentos está diretamente relacionada à taxa de transferência, viabilidade das células bacterianas e um maior número de células presente na carne.
Por exemplo:
Avaliar o impacto de intervenções de mitigação de riscos como o uso de aditivos na alimentação animal e validação de alterações de parâmetros de processos;
Subsídio a modelos matemáticos preditivos com maior reprodutibilidade e robustez baseadas em dados reais nos estudos de Análises Quantitativas de Riscos (AQR)
Não menos relevante, permitindo ainda que sejam identificados produtos com nível de contaminação mais elevado; e
Adoção de ações para redução da exposição potencial de risco para o consumidor.
Marlony et al., já apontava em uma revisão publicada em 2008, o uso da técnica de real time-PCR como uma eficiente alternativa para enumeração de Salmonella em alimentos e rações. Em 2012 a ISO incluiu a enumeração de Salmonella pelo número mais provável miniaturizado (mMPN) como o método de referência da ISO 9579: 2002 – parte 2.
A sensibilidade e o limite de detecção, por sua vez, desses métodos, ainda demandam maior aprimoramento. Sabese, ainda, que podem variar de acordo com o sorovar e a matriz, sendo, esse, um dos principais desafios a serem superados.
Uma outra questão de extrema relevância a ser consensuada é a distinção entre níveis altos e baixos de contaminação, embora o estabelecimento de um nível limite para controle de processos certamente seja discutível.
É certo que pode ser muito útil investigar os fatores que resultaram em altas cargas, permitindo a implementação de intervenções de mitigação de risco mais eficazes. A comparação de níveis, com o processamento envolvido, pode permitir que a indústria entenda melhor quais intervenções funcionam e quando.
As evidências sugerem que, quando Salmonella está presente, o número mais provável (MNP) geralmente é baixo, não mais que 100 células por carcaça.
A capacidade das espécies de Salmonella de causar infecção humana depende, principalmente, da sua habilidade de adesão e colonização nas vilosidades intestinais.
De acordo com o estudo de análise de riscos conduzido pela FAO em 2002, em humanos saudáveis, a dose infectante para salmonelose é estimada entre 104 a 106 células ou mais.
Mas pode ser tão baixa quanto 101 a 102 células em indivíduos altamente suscetíveis.
Ou se presente em um alimento com matriz rica em gordura como queijo ou chocolate.
Sugerindo ainda que a probabilidade de doença aumenta conforme cresce a exposição a um maior número de salmonelas.
Uma análise de regressão probit conduzida por Akil & Ahmad (2018) para um modelo de Avaliação Qualitativa de Risco (QRA) de salmonelose humana resultante do consumo de frangos de corte, demostrou que o consumo de pelo menos 1,46×104 UFC/g para Salmonella Enteritidis, ou 6,4×103 UFC/g para Salmonella Typhimurium é necessário para desenvolver infecção em 50% da população.
O número exato de células necessário para causar doenças depende de inúmeros fatores e pode ser variável.
Vincular a presença e o número de um patógeno específico em alimentos
Mas, essas informações são necessárias para estimar a dimensão do risco e estabelecer metas claras para a proteção da saúde pública, que podem ser comunicadas à população, indústria e público.
Devemos estar atentos ao fato de que o gerenciamento de riscos requer alocação de recursos proporcionais à magnitude do risco e à viabilidade e eficácia das medidas de redução de riscos.
A importância da enumeração Salmonella foi enfatizada em um relatório de especialistas da Sociedade Americana e do Comitê Consultivo Nacional de Critérios Microbiológicos para Alimentos em 2010. Ambos relatam que a eficácia da redução de patógenos não pode ser determinada sem enumeração, porque os esforços de controle podem reduzir o número de células de Salmonella e o risco de exposição ao consumidor, mesmo se a prevalência não estiver mudando em uma avaliação de risco.
Recentemente o Comitê Consultivo Nacional de Critérios Microbiológicos para Alimentos (NACMCF), nos Estados Unidos, recomendou que a agência e a indústria avançassem em direção à disposição baseada no risco do produto final acabado. Essa abordagem seria informada pelo nível e sorotipo, ou subtipo de Salmonella e os produtos desviados estariam sujeitos a uma etapa, ou reprocessamento validado de letalidade.
Já existem evidências, em estudos de avaliação de risco microbiológico, de que os níveis de contaminação podem ser ainda mais importantes para a saúde pública, do que a prevalência, pois estão diretamente relacionados à probabilidade de a dose ingerida exceder a dose infecciosa mínima necessária para o desenvolvimento da doença.
ESTUDOS RELEVANTES
Entre os estudos de AQR mais relevantes conduzidos sobre o tema, devemos citar:
BRASIL
No Brasil, já em 2010 Borsoi et al., conduziram um estudo avaliando carcaças de frango resfriadas utilizando a enumeração pelo método de Número Mais Próvável (NMP), de forma a mensurar o número de células presentes na carne de frango in natura frente a avaliação da exposição ao risco de maior potencial de contaminação cruzada, demandando a necessidade de ações e intervenções de mitigação de riscos pela cadeia produtiva e consumidores.
Santos et al., 2014, utilizando o MPN miniaturizado em suabes cloacais, amostras de esponjas de gaiolas de transporte antes e depois do saneamento, carcaças antes e depois do chiller e carcaças congeladas após 24 horas. Revelou-se uma prevalência de 5,5% de Salmonella, mas nenhuma das amostras foi realizada para enumeração.
Em contrapartida, o estudo conduzido por Machado et al., 2020 in press, avaliando suabes de cloaca, carcaças antes e depois do chiller e peito de frango sem pele congelado após 30 dias, encontrou 2% de prevalência em peito congelado, sendo que somente 0,6% (4/600) foram enumerados, sendo 2 amostras com <10UFC/g (baixa) e 2 amostras com 10-100UFC/g (intermediário).
CONCLUSÃO
Diante deste cenário, o desafio de tecnologias disruptivas para enumeração e quantificação de Salmonella, sejam métodos de cultivo ou moleculares, via de regra será primar pela simplicidade, reprodutibilidade em diferentes matrizes e agilidade no resultado.