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Aplicação de análises quantitativas para Salmonella

Escrito por: Simone Machado - Médica Veterinária, DSc. Proprietária Food Safety & Regulatory Solutions
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quantidade de salmonella

A carne de aves é uma proteína de alta qualidade e de grande relevância para assegurar a alimentação de milhões de pessoas ao redor do mundo, sendo o aumento do consumo de carne na última década impulsionado, principalmente, pelo setor de carne de aves, que representou dois terços da carne adicional consumida e deve ser responsável pela maior parte do crescimento de carne consumida até 2025.

INDICADOR DE QUALIDADE E HIGIENE

Particularmente para carne crua de aves, a Salmonella representa o perigo microbiológico de maior relevância nos Programas de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (HACCP – sigla em inglês).

As diretrizes internacionais, por sua vez, estabelecem que a Prevenção, Controle e Monitoramento da Salmonella, devem seguir o conceito “FARM TO FORK”:

As medidas baseadas em boas práticas, perigos e riscos são implementadas de forma integrada, em todos os elos da cadeia produtiva e de forma acumulativa, para mitigar o risco de contaminação do produto final.

A Salmonella, por sua vez, figura como o patógeno de transmissão por alimentos de maior importância em todo o mundo, estando amplamente distribuída na natureza. O reservatório mais comum das Salmonella não tifóides, é o trato gastrointestinal de animais domésticos e silvestres, sendo a fonte de infecção relacionada a uma grande variedade de matrizes alimentares contaminadas por material fecal.

Desta forma, a Salmonella pode ser considerada o principal indicador de qualidade da biosseguridade na cadeia primária e higiene do processamento da carne de aves.

MITIGAR O RISCO EM TODAS AS ETAPAS

A contaminação por Salmonella é geralmente expressa em termos de prevalência, seja no monitoramento de processo, como em produtos. Mas as evidências de avaliações de risco microbiológico indicam que os níveis de contaminação podem ser ainda mais importantes para a saúde pública. E esforços, em qualquer estágio da produção, ou processamento, que reduzam o nível de Salmonella no produto final serão decisivos.

A comunidade científica, assim como a própria Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) vêm pontuando como um importante problema de saúde pública:

O nível de contaminação por Salmonella em carcaças positivas, no final da operação de processamento e no ponto de consumo.

PREPARO INADEQUADO E CONTAMINAÇÃO CRUZADA

Em especial, ao considerarmos que os fatores de riscos para salmonelose humana são relacionados ao consumo de carne de aves crua, dizem respeito:

Neste sentido, a probabilidade de contaminação cruzada entre a carne crua e superfícies e outros alimentos está diretamente relacionada à taxa de transferência, viabilidade das células bacterianas e um maior número de células presente na carne.

APLICAÇÃO DE ANÁLISES QUANTITATIVAS

Com o desenvolvimento de melhores meios de cultivo e métodos analíticos para enumeração de Salmonella internacionalmente reconhecidos, esse tema deverá ter maior relevância, particularmente na mensuração de medidas e intervenções de mitigação baseadas em risco.

Por exemplo:

Avaliar o impacto de intervenções de mitigação de riscos como o uso de aditivos na alimentação animal e validação de alterações de parâmetros de processos;

Subsídio a modelos matemáticos preditivos com maior reprodutibilidade e robustez baseadas em dados reais nos estudos de Análises Quantitativas de Riscos (AQR)

Não menos relevante, permitindo ainda que sejam identificados produtos com nível de contaminação mais elevado; e

Adoção de ações para redução da exposição potencial de risco para o consumidor.

METODOLOGIAS ANALÍTICAS

Marlony et al., já apontava em uma revisão publicada em 2008, o uso da técnica de real time-PCR como uma eficiente alternativa para enumeração de Salmonella em alimentos e rações. Em 2012 a ISO incluiu a enumeração de Salmonella pelo número mais provável miniaturizado (mMPN) como o método de referência da ISO 9579: 2002 – parte 2.

A sensibilidade e o limite de detecção, por sua vez, desses métodos, ainda demandam maior aprimoramento. Sabese, ainda, que podem variar de acordo com o sorovar e a matriz, sendo, esse, um dos principais desafios a serem superados.

NÍVEIS DE CONTAMINAÇÃO

Uma outra questão de extrema relevância a ser consensuada é a distinção entre níveis altos e baixos de contaminação, embora o estabelecimento de um nível limite para controle de processos certamente seja discutível.

É certo que pode ser muito útil investigar os fatores que resultaram em altas cargas, permitindo a implementação de intervenções de mitigação de risco mais eficazes. A comparação de níveis, com o processamento envolvido, pode permitir que a indústria entenda melhor quais intervenções funcionam e quando.

As evidências sugerem que, quando Salmonella está presente, o número mais provável (MNP) geralmente é baixo, não mais que 100 células por carcaça.

INFECÇÃO HUMANA

A capacidade das espécies de Salmonella de causar infecção humana depende, principalmente, da sua habilidade de adesão e colonização nas vilosidades intestinais.

De acordo com o estudo de análise de riscos conduzido pela FAO em 2002, em humanos saudáveis, a dose infectante para salmonelose é estimada entre 104 a 106 células ou mais.

Mas pode ser tão baixa quanto 101 a 102 células em indivíduos altamente suscetíveis.

Ou se presente em um alimento com matriz rica em gordura como queijo ou chocolate.

Sugerindo ainda que a probabilidade de doença aumenta conforme cresce a exposição a um maior número de salmonelas.

Uma análise de regressão probit conduzida por Akil & Ahmad (2018) para um modelo de Avaliação Qualitativa de Risco (QRA) de salmonelose humana resultante do consumo de frangos de corte, demostrou que o consumo de pelo menos 1,46×104 UFC/g para Salmonella Enteritidis, ou 6,4×103 UFC/g para Salmonella Typhimurium é necessário para desenvolver infecção em 50% da população.

O número exato de células necessário para causar doenças depende de inúmeros fatores e pode ser variável.

É um grande desafio saber se as melhorias na saúde pública resultarão de padrões de desempenho de processos mais rigorosos, ou de esforços que diminuam a carga de Salmonella em aves e no produto final, ou de ambos.

NÍVEL DE CONTAMINAÇÃO NA AVALIAÇÃO DE RISCO

Vincular a presença e o número de um patógeno específico em alimentos determinados, à proporção de doenças causadas em uma população humana constitui um desafio adicional.

Mas, essas informações são necessárias para estimar a dimensão do risco e estabelecer metas claras para a proteção da saúde pública, que podem ser comunicadas à população, indústria e público.

Devemos estar atentos ao fato de que o gerenciamento de riscos requer alocação de recursos proporcionais à magnitude do risco e à viabilidade e eficácia das medidas de redução de riscos.

A importância da enumeração Salmonella foi enfatizada em um relatório de especialistas da Sociedade Americana e do Comitê Consultivo Nacional de Critérios Microbiológicos para Alimentos em 2010. Ambos relatam que a eficácia da redução de patógenos não pode ser determinada sem enumeração, porque os esforços de controle podem reduzir o número de células de Salmonella e o risco de exposição ao consumidor, mesmo se a prevalência não estiver mudando em uma avaliação de risco.

REPROCESSAMENTO

Recentemente o Comitê Consultivo Nacional de Critérios Microbiológicos para Alimentos (NACMCF), nos Estados Unidos, recomendou que a agência e a indústria avançassem em direção à disposição baseada no risco do produto final acabado. Essa abordagem seria informada pelo nível e sorotipo, ou subtipo de Salmonella e os produtos desviados estariam sujeitos a uma etapa, ou reprocessamento validado de letalidade.

Já existem evidências, em estudos de avaliação de risco microbiológico, de que os níveis de contaminação podem ser ainda mais importantes para a saúde pública, do que a prevalência, pois estão diretamente relacionados à probabilidade de a dose ingerida exceder a dose infecciosa mínima necessária para o desenvolvimento da doença.

ESTUDOS RELEVANTES

Entre os estudos de AQR mais relevantes conduzidos sobre o tema, devemos citar:

Straver et al, que em 2007, na Holanda, enumerou Salmonella em filés de peito de frango no varejo, correlacionando produtos com maior número Salmonella com casos em humanos.

Hardie et al. que em 2019 analisou peito de frango cru em abatedouros e no varejo no Canadá. Foram consideradas as variáveis de impacto do processamento e dos fatores de risco para avaliar os resultados de prevalência e concentração de Salmonella, antes e imediatamente após cada intervenção de processamento. Informou-se ao processador as melhores práticas para redução de Salmonella em produtos de frango de corte.

E, por fim, o artigo publicado por Jeong et al. em 2018, que avaliou a prevalência e enumeração de Salmonella em carcaças em frigoríficos e no varejo na Coréia do Sul.

BRASIL

No Brasil, já em 2010 Borsoi et al., conduziram um estudo avaliando carcaças de frango resfriadas utilizando a enumeração pelo método de Número Mais Próvável (NMP), de forma a mensurar o número de células presentes na carne de frango in natura frente a avaliação da exposição ao risco de maior potencial de contaminação cruzada, demandando a necessidade de ações e intervenções de mitigação de riscos pela cadeia produtiva e consumidores.

Santos et al., 2014, utilizando o MPN miniaturizado em suabes cloacais, amostras de esponjas de gaiolas de transporte antes e depois do saneamento, carcaças antes e depois do chiller e carcaças congeladas após 24 horas. Revelou-se uma prevalência de 5,5% de Salmonella, mas nenhuma das amostras foi realizada para enumeração.

Em contrapartida, o estudo conduzido por Machado et al., 2020 in press, avaliando suabes de cloaca, carcaças antes e depois do chiller e peito de frango sem pele congelado após 30 dias, encontrou 2% de prevalência em peito congelado, sendo que somente 0,6% (4/600) foram enumerados, sendo 2 amostras com <10UFC/g (baixa) e 2 amostras com 10-100UFC/g (intermediário).

CONCLUSÃO

Definitivamente as análises quantitativas como a enumeração de Salmonella tendem a representar uma mudança de paradigma no diagnóstico para avaliação baseada em risco de produtos e processos em um horizonte relativamente curto.

Diante deste cenário, o desafio de tecnologias disruptivas para enumeração e quantificação de Salmonella, sejam métodos de cultivo ou moleculares, via de regra será primar pela simplicidade, reprodutibilidade em diferentes matrizes e agilidade no resultado.

 

 

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