Como a Salmonella se adapta e sobrevive no frango e no meio ambiente
As salmonelas põem em risco a saúde do ser humano e também a saúde e o desempenho das aves. Salmonelas paratíficas estão amplamente distribuídas na natureza e são resistentes ao meio ambiente, podendo sobreviver semanas e até meses fora das aves.
Focar em Salmonella nos frangos de corte sempre é importante, já que há perdas econômicas quando frangos positivos para salmonelas chegam à planta de abate. As perdas também são contabilizadas pelo produtor com custos adicionais na limpeza e desinfecção dos galpões.
- Salmonella & resistência ao ambiente
Os diferentes fatores estressantes (Figura 1) promovem mudanças na biologia das células bacterianas, o que permite modificações nas características fisiológicas conhecidas para cada gênero e determina uma maior resistência à ave e ao ambiente. Isso também ocorre em salmonelas.
- SOBREVIVÊNCIA AO CALOR
- SOBREVIVÊNCIA AO FRIO
Outro fator interessante que pode interferir na resistência de salmonelas é o pH baixo. A respeito de condições ácidas, as salmonelas infectam as aves principalmente via oral, chegando ao papo com pH de 4 a 5. Ao produzir-se uma adaptação a este pH, a Salmonella pode sobreviver e se adaptar a um pH mais ácido e, portanto, sobreviver aos efeitos antibacterianos do pH do trato digestivo. Os genes que conferem resistência aos ácidos atuam nas células bacterianas aumentando a resistência ao baixo pH e aumentando a sobrevivência dentro dos macrófagos. Assim, as salmonelas podem permanecer mais tempo infectando as aves.
É interessante compreender que as salmonelas que são expostas a ambientes ácidos, com pH 5.5 a 6.0, podem apresentar posterior tolerância aos ácidos (ATR), que aumenta o potencial de sobrevivência em ambientes extremamente ácidos (pH 3.0 a 4.0). Alguns dados sobre os sorovares de salmonelas e dos ácidos citam que os isolamentos de Salmonella ser. Kentucky de carcaças de frango apresentaram maior sensibilidade ao ácido (pH 5.5) em comparação a outros sorovares de Salmonella (ser. Enteritidis, ser. Mbandaka e ser. Typhimurium).
Na adaptação ao estresse em meio ácido, há implicação de genes de virulência. Descreveu-se que a virulência pode ser ativada pelo estresse do ácido acético, por exemplo, com a expressão de genes da virulência em resposta ao pH e isso foi demonstrado para diferentes sorovares de Salmonella (ser. Typhimurium, ser. Senftenberg, ser. Heidelberg, ser. Mbandanka, ser. Montevideo e ser. Infantis).
Sobre o descrito, acredita-se que a Salmonella tem um potencial aumento da virulência nas infecções das aves, induzida pela sobrevivência aos estresses ácido e calórico.
As salmonelas podem estar expostas ao estresse da dessecação por inúmeros fatores presentes no ambiente das aves, como poeira, fezes secas e equipamentos que, inclusive após os procedimentos de limpeza e desinfecção, podem expor a Salmonella à dessecação e sobrevivência.
Nos diferentes sorovares das salmonelas, descobriu-se que as cepas de Salmonella ser. Enteritidis, Salmonella ser. Typhimurium e Salmonella ser. Mbandaka são mais tolerantes à dessecação.
Em termos práticos está comprovado que as células de salmonelas adaptadas à dessecação, em cama de frango reutilizada, apresentaram maior resistência térmica. A temperatura é muito efetiva na inativação das bactérias indesejáveis. No entanto, para obter um efeito inibitório satisfatório sobre organismos indesejáveis deve-se considerar a temperatura e tempo de exposição, assim como aw, pH e amoníaco no manejo nos diferentes tratamentos para reutilização da cama de frango.
- Salmonella & Biofilme
Além da atual resistência das salmonelas ao calor, frio, pH e dessecação, elas podem apresentar capacidade de formação de biofilme. Essa formação permite que as salmonelas permaneçam nos diferentes ambientes da produção avícola, porque favorece a resistência e persistência bacteriana, inclusive em ambientes hostís como plantas de processamento de aves e plantas de processamento de ração.
As células em estado de biofilme na natureza, geralmente persistem em algumas superfícies e não são tão puras como em estado não aderido. Neste contexto, as células bacterianas em um biofilme têm a capacidade de intercambiar componentes genéticos a um ritmo maior, podendo facilitar a aquisição de novos genes para a virulência e resistência ambiental.
As bactérias produtoras de biofilme, como a Salmonella, podem ser uma ameaça grave para a saúde pública devido à possibilidade de que microorganismos patógenos derivados dos biofilmes cheguem a contaminar produtos alimentares.
A formação do biofilme aumenta a capacidade das bactérias patógenas de sobreviver aos fatores estressantes que normalmente se encontram nas plantas de processamento de ração, ou durante a infecção no hospedeiro.
Os estudos com formação de biofilme comprovam que, quando as bactérias são expostas a hormônios liberados pelo animal durante a situação de estresse (catecolaminas), elas podem modificar sua capacidade de virulência para formar biofilme. O estresse ocorre nos frangos por diferentes causas, em diferentes momentos, como por exemplo temperaturas extremas, restrições de alimento e/ou água, vacinação, grande densidade e exposição a agentes infecciosos.
Neste sentido, em um de nossos estudos conduzido por Hiller e colegas (2019), foi avaliada a influência das catecolaminas na formação de biofilmes em Salmonella ser. Enteritidis. Entre as catecolaminas estudadas, a noradrenalina pareceu ser mais eficiente para estimular a formação de biofilmes em amostras de Salmonella ser. Enteritidis a 12°C.
Em outro de nossos estudos, a maior aderência de Salmonella à superfície foi demonstrada quando expostas as cepas de Salmonella ser. Heidelberg à indução ácida (Lucca, et al. 2020).
Além disso, o aumento da resistência à ação dos desinfetantes foi detectado nas salmonelas em biofilme e, ainda, os biofilmes também conferem resistência aos antibióticos.
Outro estudo comprova que, ainda que se tenha observado forte efeito do triclosan (1000 ug/ml) nas células da fase logarítmica, apenas encontrou-se efeito fraco nas células associadas a biofilme (o triclosan foi avaliado pelo Comitê Científico de Alimentos e Autoridade Europeia de Segurança Alimentar para uso em materiais em contato com alimentos, classificado com uma restrição de 5mg/kg de alimento; esta avaliação considerou o uso de triclosan como biocida de superfície). No entanto, um exemplo demonstra que salmonelas em biofilme adaptadas ao cloreto de benzalcônio, ante a exposição a concentrações sub inibitória durante certo período de tempo, adquiriram a capacidade de sobreviver a uma exposição normalmente letal deste desinfetante.
- CONTROLE E ELIMINAÇÃO DO BIOFILME
- Uma estratégia para prevenir a indução da adaptação bacteriana a desinfetantes dentro de estruturas biofilme poderia ser aumentar substancialmente a concentração do agente antimicrobiano. No entanto, esta abordagem poderia não garantir a erradicação do biofilme e seria custoso, além de não respeitoso ao meio ambiente.
- Uma vez que o biofilme já está estabelecido, deve-se fazer o uso de processos de limpeza que utilizam ação mecânica, que são uma das medidas mais efetivas para o seu controle, ou eliminação, já que a fricção produz a ruptura da matriz, expondo camadas mais profundas e produzindo microorganismos livres para a ação dos produtos.
- Considerações finais
É possível observar que as salmonelas podem ser desafiadas a tornarem-se resistentes, quer seja pela ativação de genes de resistência ao estresse, genes de virulência, ou através da formação de biofilme.
A habilidade das salmonelas para suportar os diferentes desafios, na maioria das vezes, são induzidas pelo homem. Quando os processos de controle não são realizados adequadamente, as células de salmonelas podem sobreviver, desenvolver resistência e permanecer no ambiente de produção.
É plausível destacar que, na produção avícola moderna, o que potencialmente permite a permanência e o aumento da resistência das salmonelas no campo e nas plantas de processamento, são principalmente:
- Falhas na higiene dos equipamentos e instalações
- Manejo de cama ineficiente
- Tratamento térmico ineficiente de rações
- Uso imprudente de antibióticos
- Manejo das aves sob estresse
É necessário prestar atenção e melhorar os processos de manejo e biosseguridade para diminuir a resistência de salmonelas ao meio ambiente e conseguir reduzir a incidência na indústria avícola.
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