Saúde intestinal de frangos de corte – Novos tempos, novos desafios
Nas últimas três décadas, a indústria avícola expandiu-se de forma extraordinária com uma taxa de crescimento anual superior a 5% quando comparada com as indústrias de bovinos e suínos, que cresceram 1,5% e 3%, respectivamente.
Os avanços tecnológicos nas áreas de:
- Genética,
- Ambiência,
- Instalações e equipamentos,
- Sanidade,
- Técnicas de manejo e nutrição
Alavancaram a produção mundial de frangos de corte.
A carne de frango é uma fonte proteica saudável e mais barata em relação às demais, com volume e versatilidade de produção compatíveis com o aumento da demanda provocada pelo crescimento populacional e a mudança no padrão de consumo nos países de baixa renda.
A grande demanda por carne de frango e a pressão de seleção aplicada pelas casas genéticas buscando um frango com peso de mercado em menor tempo associadas às estrições parciais ou totais do uso de antibióticos melhoradores do desempenho em todo o mundo e à redução dos intervalos entre alojamentos contribuem para o surgimento de desafios sanitários que vem impactando de forma negativa a produtividade e lucratividade da cadeia avícola.
Para manter a sustentabilidade do sistema de produção e o atendimento à demanda por alimentos seguros e nutritivos, é necessário buscar novas estratégias e uma maior compreensão da complexidade que envolve o ambiente intestinal dos frangos de corte.
A saúde intestinal e a integridade morfofuncional do sistema digestório são de fundamental importância neste contexto, pois envolvem várias funções fisiológicas, microbiológicas e físicas, que de forma conjunta mantem a homeostase intestinal e os processos de digestão e absorção de nutrientes e a defesa local.
O intestino não é mais reconhecido apenas pela função associada aos processos de digestão e absorção, mas também pelo importante papel imunológico na defesa contra as agressões do meio externo. O sistema gastrointestinal é considerado o maior órgão imune.
- O tecido linfóide associado ao intestino associado (GALT) está constantemente sendo exposto a fatores ambientais e antígenos dietéticos.
As superfícies mucosas do corpo, que compõem o sistema imune de mucosas (MALT), como as do trato respiratório (BALT) e gastrointestinal, desempenham uma tarefa complexa – devem permanecer tolerante contra inócuos, fatores ambientais, nutricionais, e antígenos microbianos para garantir a função do órgão, mas também deve responder prontamente contra patógenos invasores.
Essas células são responsáveis por absorver nutrientes do lúmen e liberar IgA secretória para o lúmen, como também participam ativamente da imunidade por produzirem peptídeos antimicrobianos e citocinas próinflamatórias em resposta à ativação de seus receptores de reconhecimento de patógenos.
A camada epitelial de revestimento possui células especializadas representadas por três linhagens que têm origem da mesma célula-tronco:
- Enterócitos absortivos,
- Células caliciformes produtoras de muco e
- Células enteroendócrinas produtoras de hormônios.
A saúde intestinal contempla um conceito holístico, incluindo dieta, mucosa, microbioma e sistema imunológico. A dieta fornece nutrientes para que a mucosa mantenha a integridade intestinal e uma comunidade microbiana estável em um ambiente equilibrado e saudável, que por sua vez mantém o sistema imune de mucosas em estado de defesa e tolerância.
As descobertas de estudos recentes sugerem que a microbiota intestinal e o sistema imunológico estabelecem uma interação constante de mutualismo com o hospedeiro, em que ambos são beneficiados.
- Essa inter-relação resulta em várias respostas imunológicas, como a secreção de imunoglobulina A e a liberação de peptídeos antimicrobianos, que permitem a manutenção de um equilíbrio dinâmico com os microrganismos comensais.
Os AGCC têm muito mais funções refinadas do que meramente nutrir microorganismos e enterócitos. As pesquisas atuais têm demonstrado que são importantes agentes estimuladores da atividade moduladora das células T regulatórias dos sistema imune (células Treg), influenciando na tolerância imunológica e na regulação de inflamações.
As células Treg secretam citocinas anti-inflamatórias na mucosa gastrointestinal proporcionando um ambiente de tolerância contra antígenos provenientes da dieta e da microbiota residente, evitando assim o desenvolvimento de uma resposta inflamatória crônica e indesejável.
Ademais, a microbiota atua por competição de metabólitos e substratos no meio intestinal, limitando a colonização de patógenos, em um processo conhecido como “resistência à colonização”.
- Antes da incubação de ovos férteis em incubadoras, os ovos eram mantidos em contato com o ninho e a galinha e assim ocorria a transmissão vertical da microbiota materna para a progênie. No entanto, em incubatórios comerciais, os pintinhos nascem em um ambiente limpo sem contato com a galinha. Além disso, protocolos de saneamento do incubatório, como lavagem, fumigação e desinfecção química aplicados diretamente sobre o ovo fértil contribuem com a redução da transferência vertical da microbiota.
Assim, a comunidade microbiana intestinal pós-eclosão é caracterizada por baixa diversidade e alta instabilidade e, portanto, totalmente dependente das fontes ambientais. Portanto, o estágio inicial de desenvolvimento após a eclosão é uma fase chave, que oportuniza uma janela muito estreita para a remodelação permanente da microbiota.
A manipulação dessa colonização, seja por cepas probióticas ainda no incubatório ou pela adoção de práticas de manejo que permitam a manutenção da qualidade do ar, da cama e da água, além de rígidos controles microbiológicos e dos processamento da matéria prima das rações é fundamental para que bactérias benéficas possam colonizar permanentemente a mucosa do hospedeiro através da formação de biofilmes e com isso prevenir a colonização por patógenos.
“Coloniza quem chega primeiro” – isso é fundamental para garantir a manutenção da eubiose intestinal.
- A sinalização imunológica por citocinas em reposta à invasão da camada epitelial intestinal por agentes patogênicos, pode induzir a perda de tecido ósseo, por induzir a osteoclastogênese via sistema RANKL/RANK/OPG, resultando em ossos mais frágeis.
A inflamação é uma resposta biológica à ativação do sistema imune por vários estímulos, incluindo agentes infecciosos como bactérias e vírus, ou agentes não infecciosos, incluindo as lesões teciduais, morte celular, compostos tóxicos e degeneração.
De acordo com a intensidade e gravidade dos estímulos, vias mais complexas podem ser induzidas, resultando em resposta inflamatória crônica, causando danos nos processos de digestão e absorção e aumentando os custos com reparo e regeneração da mucosa intestinal. |
A disbiose pode ser ainda causada por:
- Alterações na dieta (processamento, granulometria, carga microbiológica, digestibilidade, PNAs, micotoxinas),
- Excesso de nutrientes, principalmente proteína não digestível,
- Eimeriose e ainda
- Pelo uso abusivo de antibiótico terapêutico.
- Esses fatores podem contribuir sobremaneira com a ingestão de água e, consequentemente, com o fornecimento de sub doses de antibiótico, o que induz a formação de biofilmes e transferência de genes de resistência entre enterobactérias.
Por muitos anos, o uso de antibióticos melhoradores de crescimento preveniu a disbiose em frangos de corte. As exigências dos consumidores, os regulamentos e a ausência de novas moléculas antimicrobianas são fatores relevantes para a tendência atual de redução do uso de antibióticos a curto prazo nos modernos sistemas de produção de aves.
O desafio maior na cadeia avícola atual é a adoção dos programas de retirada dos antibióticos e ao mesmo tempo, a manutenção da saúde intestinal das aves. É necessário primeiramente trabalhar com uma “rampa de retirada dos antibióticos promotores de crescimento”, reforçando as medidas de biossegurança, programas de vacinação, melhoria na digestibilidade dos ingredientes da ração, qualidade de água, ambiência e melhores práticas de manejo.
O treinamento e motivação de pessoas e equipes devem encabeçar qualquer estratégia para enfrentar os novos tempos. É necessário o comprometimento de todos os envolvidos na cadeia.
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