Síndromes respiratórias na avicultura industrial: fatores ambientais, etiologia e medidas de controle
Antes de iniciar a leitura deste texto, convido à reflexão com base nas informações extraídas do livro Diseases of Poultry (14ª edição, 2020, Capítulo 18 – Colibacillosis, página 783). No subitem Patobiologia e Epidemiologia – Incidência e Distribuição, encontram-se as seguintes observações:
- A presença de coli no trato intestinal das aves é benéfica, auxiliando no crescimento e desenvolvimento e inibindo outras bactérias, incluindo Salmonella spp.
- coli é um habitante comum do trato intestinal de avese mamíferos, com concentrações de até 10⁶ bactérias por grama de conteúdo intestinal. Números mais elevados são encontrados em aves jovens sem uma microbiota intestinal estabelecida e no trato intestinal inferior.
- Uma diversidade de sorotipos de coli coloniza a mucosa cecal, podendo ocorrer mudanças abruptas conforme a ave vai envelhecendo.
- Em frangos e galinhas, naturalmente de 10% a 15% dos coliformes intestinais podem pertencer a sorotipos potencialmente patogênicos de coli, embora os sorotipos intestinais nem sempre sejam os mesmos encontrados em sítios extraintestinais da mesma ave.
- coli intestinais representam um reservatório de fatores de virulência e de resistência antimicrobiana.
Após refletir sobre as informações apresentadas acima, sugerimos também a visualização de um breve vídeo (1min54s), produzido por pesquisadores da Universidade de Harvard: CLIQUE AQUI PARA ASSISTIR.
O vídeo demonstra, de forma impressionante, o desenvolvimento da resistência de uma cepa de E. coli a um antimicrobiano (AMC), alcançando até 1.000 vezes a dose terapêutica em apenas 11 dias.
O crescimento de E. coli em uma mega placa de Petri (Kishony Lab):
- COMENTÁRIOS
Este é um agente que merece ser estudado, em maior profundidade, por todos aqueles que trabalham na cadeia de produção de carnes e ovos.
Além de ser um patógeno de animais de produção, há muitos estudos visando correlacionar E. coli patogênicas aviárias (APECs) como uma zoonose.
- Potencial zoonótico de APEC:
Estudos mostram que algumas cepas de APEC compartilham genes de virulência com cepas humanas de E. coli extraintestinal patogênica (ExPEC), que causam infecções como:
- Infecções urinárias
- Meningites
- Septicemias
Isso sugere que pode existir um potencial zoonótico. No entanto, ainda não há consenso científico pleno de que APEC cause infecções humanas com frequência relevante. A maioria dos casos humanos decorre de outras fontes.
Infelizmente, o uso frequente de antimicrobianos (AMC) de forma preventiva ou como melhoradores de desempenho (AMD) na produção animal contribui significativamente para o surgimento de cepas resistentes de E. coli e Salmonella spp., limitando as opções terapêuticas disponíveis.
Felizmente, a indústria avícola, cada vez mais, utiliza vacinas de linha e autovacinas para esses agentes, bem como os probióticos de múltiplas cepas, com grande êxito, para reduzir a transmissão de APECs, através da pirâmide de produção, sem riscos de desenvolvimento de resistência desses patógenos.
Com essas informações, já é possível compreender a responsabilidade do Médico Veterinário, inclusive com a Saúde Pública, ao prescrever um AMC para combater infecções por APECs que participam das Síndromes Respiratórias.
Síndromes respiratórias na avicultura industrial: fatores ambientais, etiologia e medidas de control
- INTRODUÇÃO
As doenças respiratórias representam um desafio significativo para a avicultura industrial, especialmente durante o inverno. O frio, aliado a práticas comuns de manejo nesta estação, desencadeia uma série de eventos que comprometem a saúde respiratória das aves e afetam a produtividade.
Este artigo aborda os principais fatores ambientais envolvidos, os agentes etiológicos predominantes e as estratégias de diagnóstico, prevenção e controle mais eficazes.
- IMPACTO DO INVERNO E DO AMBIENTE SOBRE A SAÚDE RESPIRATÓRIA
- Redução da Ventilação e Acúmulo de Poluentes
Durante o inverno, galpões são frequentemente mantidos mais fechados para conservar calor, não raro resultando em:
-
- Diminuição da renovação de ar;
- Acúmulo de gases irritantes, como amônia;
- Concentração elevada de material particulado (MP), incluindo poeira, penas, fezes secas e microrganismos.
Síndromes respiratórias na avicultura industrial: fatores ambientais, etiologia e medidas de control
- Papel do Material Particulado (MP)
O MP atua como um dos principais estressores ambientais, favorecendo doenças respiratórias por:
- Transporte de patógenos (bactérias, vírus e fungos);
- Indução de inflamação respiratória;
- Disbiose da microbiota pulmonar e estresse oxidativo.
A patogenicidade do MP é complexa e envolve três vias principais:
- Irritação direta do trato respiratório com redução da imunidade;
- Patógenos aderidos ao MP;
- Compostos tóxicos adsorvidos no MP;
Síndromes respiratórias na avicultura industrial: fatores ambientais, etiologia e medidas de control
- FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS RESPIRATÓRIAS NAS AVES
- Comprometimento dos Mecanismos de Defesa
- Baixas temperaturas reduzem a atividade ciliar do epitélio respiratório;
- Amônia e MP danificam ainda mais o epitélio;
- Acúmulo de muco impede a eliminação natural de patógenos pelo organismo.
- Consequências Clínicas
- Criação de condições propícias à colonização por agentes infecciosos;
- Aumento da incidência de infecções mistas (virais e bacterianas);
- Quadros respiratórios com evolução sindrômica, sem lesões patognomônicas claras;
- Redução no desempenho zootécnico, aumento da mortalidade e necessidade maior uso de AMCs.
- AGENTES ETIOLÓGICOS ENVOLVIDOS NAS DOENÇAS RESPIRATÓRIAS
- Agentes Virais
Principais vírus com tropismo respiratório:
- IBV (Vírus da Bronquite Infecciosa)
- NDV (Vírus da Doença de Newcastle)
- ILTV (Vírus da Laringotraqueíte Infecciosa)
- AIV (Vírus da Influenza Aviária)
- Metapneumovírus Aviário
Vírus secundários: Adenovírus e Reovírus (Respiratory and Enteric Orphan Virus).
Disseminação no organismo: Além do trato respiratório, alguns vírus afetam rins, sistema reprodutivo, sistema gastrointestinal, sistema nervoso além de articulações.
Vacinação contra esses agentes: Vacinas vivas e inativadas são amplamente utilizadas contra esses agentes. As vacinas vivas podem causar reações pós-vacinais, agravadas por infecções secundárias e fatores ambientais desfavoráveis.
Síndromes respiratórias na avicultura industrial: fatores ambientais, etiologia e medidas de control
Comentários:
Atualmente, com o suporte do diagnóstico molecular, é possível identificar com precisão a(s) amostra(s) viral(ais) em circulação em um plantel ou região.
Muitas falhas vacinais não estão relacionadas ao método de aplicação ou à associação com outros agentes (como os probióticos), mas sim à tentativa de imunização com cepas virais distintas daquelas efetivamente presentes no campo. Um exemplo clássico é o caso do vírus da Bronquite Infecciosa das Aves (IBV).
Na realidade, dados científicos recentes demonstram que os probióticos podem atuar positivamente na modulação da resposta imune das aves, inclusive contribuindo para o aumento da imunidade contra cepas nefropatogênicas do IBV (referência: s40168-022-01348-2 (3).pdf).
Autovacinas também estão disponíveis para atender aves de vida longa. Novamente aqui, o isolamento correto da amostra e sua identificação molecular, aumentam as chances de se obter um produto mais eficiente.
- Agentes Bacterianos
- Mycoplasma gallisepticum (MG): Causa micoplasmose, doença silenciosa e predispõe a infecções secundárias.
- Escherichia coli (APEC): Agente secundário, comum a diversos quadros patológicos.
- Avibacterium paragallinarum: Responsável pela Coriza Infecciosa (CI). Variabilidade de sorovares pode comprometer a eficácia vacinal.
- Gallibacterium anatis (GA): Associado a lesões reprodutivas e respiratórias, principalmente em poedeiras.
- Pasteurella multocida (PM): Envolvida em coinfecções com quadro respiratório complexo.
Síndromes respiratórias na avicultura industrial: fatores ambientais, etiologia e medidas de control
- ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO E CONTROLE
- Medidas de Biosseguridade
- Controle rigoroso da entrada de pessoas e veículos;
- Instalações isoladas e com tela;
- Cloração da água (2–5 ppm);
- Silos e depósitos de ração convenientemente fechados;
- Tratamento e/ou compostagem técnica da cama ou do esterco das poedeiras;
- Exames laboratoriais – principalmente bacteriologia e sorologia – dos pintos de um dia;
- Separação de lotes de diferentes origens;
- Não alojar lotes de diferentes origens, diferente status sanitário, num mesmo galpão;
- Separação de lotes de diferentes idades;
- Controle constante de vetores biológicos e/ou mecânicos: insetos, ácaros e carrapatos;
- Controle constante de hospedeiros (portadores, amplificadores ou reservatórios) como roedores, pássaros e demais animais silvestres;
- Monitoria sorológica periódica do lote;
- Vazio sanitário adequado entre lotes.
-
- Vacinação
- Vacinas de linha: Disponível para IBV, NDV, ILTV, Metapneumovírus, M. gallisepticum, M. synoviae, E. coli, A. paragallinarum, G. anatis e Pasteurella multocida;
- Autovacinas: Recomendadas quando sorotipos locais não estão contemplados nas vacinas de linha, especialmente em surtos de P. multocida, Coriza Infecciosa e G. anatis.
Comentários
Esse cuidado é reforçado pela legislação vigente e pela atuação dos órgãos oficiais de fiscalização, que contribuem significativamente para a manutenção de elevados padrões sanitários ao longo de toda a cadeia produtiva.
As vacinas para os agentes, anteriormente mencionados, estão disponíveis de forma comercial, sejam vivas ou inativadas.
No Brasil, as vacinas contra Mycoplasma gallisepticum (MG) estão disponíveis apenas para aves de postura comercial.
Devido às características do sistema de produção — com lotes de diferentes idades e, muitas vezes, de múltiplas origens —, o MG pode se perpetuar nas granjas de postura. Isso ocorre porque, diferentemente da produção de frangos de corte, é mais difícil realizar a despovoação total das granjas, dificultando o controle efetivo do agente.
Exemplos de vacinas contra Mycoplasma gallisepticum, bem como sua eficácia, são apresentados no estudo de Ferguson et al. (Avian Diseases, 56: 272–275, 2012), conforme ilustrado na figura a seguir.
Escore de lesões nos sacos aéreos, prevalência de regressão ovariana (atresia folicular), espessamento da mucosa traqueal e isolamento de Mycoplasma gallisepticum (MG) em aves vacinadas e não vacinadas, avaliadas 16,3 semanas após a vacinação e 10 dias após o desafio com a cepa R.
Conforme demonstrado no presente experimento, a vacina viva contendo a cepa F, assim como as vacinas inativadas, apresentaram os melhores resultados frente ao desafio com uma amostra de campo de Mycoplasma gallisepticum (MG).
A principal vantagem da imunização contra MG é a redução da necessidade de uso recorrente de antimicrobianos antimicoplásmicos, cuja aplicação frequente está associada a diversos efeitos indesejáveis, como:
- Disbiose intestinal,
- Inflamação entérica,
- Alteração na consistência das fezes,
- Piora da qualidade da cama,
- Aumento da resistência aos antimicrobianos (AMC),
- Redução da viabilidade das aves e
- Risco de resíduos de AMC em ovos comerciais.
Síndromes respiratórias na avicultura industrial: fatores ambientais, etiologia e medidas de control
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
As doenças respiratórias em aves são, na maioria das vezes, de natureza multifatorial, sendo incomum que um único agente etiológico seja o responsável pelo quadro clínico.
A interação entre fatores ambientais, falhas de manejo e coinfecções torna o diagnóstico frequentemente desafiador.
Para o sucesso na prevenção e controle dessas enfermidades, é fundamental compreender a fisiopatologia envolvida e adotar uma abordagem integrada, que inclua o uso racional de vacinas, a aplicação de eubióticos, o aprimoramento das práticas de manejo e o rigor nas medidas de biosseguridade.
PDF