Biossegurança na avicultura e síndrome entérica: um novo olhar
Agentes da síndrome entérica apresentam capacidade de infectar elevado número de hospedeiros senão todos os animais de sangue quente e […]
Agentes da síndrome entérica apresentam capacidade de infectar elevado número de hospedeiros senão todos os animais de sangue quente e frio. Um plano de biosseguridade precisa ser planejado e executado corretamente.
Introdução
Na profilaxia de doenças infecciosas em aves no contexto da saúde animal, seja prevenção ou controle, está sempre direcionada para a população de aves de determinada área geográfica e o requisito fundamental para sua execução é o conhecimento da epidemiologia das doenças transmissíveis.
- Trata-se da ciência que estuda os mecanismos de transmissão de doenças em populações animais e as medidas de profilaxia e, para sua aplicação é necessário conhecer o agente etiológico envolvido, o hospedeiro e o meio ambiente.
- É a habilidade de resolver problemas com consciência aprendendo em como pensar e não no que pensar para delinear um programa de saúde avícola.
Objetivo
O objetivo da epidemiologia é pragmático, pois fornece dados para a tomada de decisão racional para embasar a profilaxia (prevenção ou controle) de doenças em populações animais.
Envolve a otimização da saúde com vistas à produtividade e, não necessariamente, erradicação da doença.
A grande contribuição da epidemiologia é proporcionar informações descrevendo a frequência de ocorrência e a distribuição da saúde e doenças/infecções, identificando os fatores causas que influenciam na ocorrência e severidade da doença nas populações animais e quantificando as inter-relações entre saúde e doença (MARTIN et al 1987).
Sem a epidemiologia não há base cientifica para a prática da Saúde Animal e, sem esta prática, a Epidemiologia torna-se uma ciência acadêmica sem significado (ROSEN, 1972).
- Um programa de controle de doenças deve ser bem delineado tanto do ponto de vista biológico (eficácia) como econômico (eficiência).
- Deve ser também dinâmico para poder evoluir de acordo com as alterações da situação avaliadas pela frequência de ocorrência da doença/infecção, econômica (custo x benefício), política ou sócio climática que requeiram mudança de rumo do programa (HANSON & HANSON, 1983).
Finalmente, pensar a respeito de um programa de biosseguridade coletivo envolvendo os estabelecimentos avícolas de determinada área geográfica e quiçá juntamente com estabelecimentos de suínos porque muitos agentes etiológicos são comuns a ambos como caso das salmonelas, E. coli, Campilobacter spp. A infecção e contaminação cruzada entre estabelecimentos é inevitável.
Fundamentos para o delineamento de um programa de biosseguridade com ênfase no controle de síndrome entérica
Vamos descrever sobre os agentes etiológicos e hospedeiros que estes são capazes de infectar:
- Como pensar a respeito do agente etiológico (patógeno)?
Significa não pensar o que o agente (grande inimigo da produtividade) é capaz de causar, mas como pensar a respeito de sua capacidade de infectar, provocar doença, a gravidade dos sinais clinico, resistência às condições do meio ambiente e persistência na população para sobreviver e continuamente provocar infecção ou doença.
Tomando-se apenas os quase 2.600 sorogrupos descritos de salmonelas como exemplo, infectam quase todas as espécies de hospedeiros de sangue quente e frio (SHIVAPRASAD et al, 2013; FERREIRA & KNÖBL, 2009; EVANS & SAYERS, 2000) e, por esta razão, não procede pretender controlar cada salmonela em separado.
Assim, agentes de infeções e doenças entéricas apresentam:
alta infectividade bastando pequena dose infectante, ou seja, pequena dose é capaz de entrar, se instalar e se multiplicar/replicar no organismo de um hospedeiro vertebrado (fonte de infecção);
baixa patogenicidade que se manifesta pela baixa prevalência, ou seja, tem-se mais indivíduos com infecção (portadores) do que doentes;
alta virulência medida pela gravidade de um caso clinico, ou seja, a mortalidade é usualmente baixa; e
alta resistência às condições do meio ambiente, ou seja, a maioria senão todos os agentes de transmissão oro fecal apresenta eleva resistência ao meio ambiente.
Por exemplo, E. coli pode resistir em média 18 dias no verão (CHANDLER & CRAVEN, 1978); Campylobacter spp resistem por extensos períodos de tempo (EVANS & SAYERS, 2000); e salmonelas sobrevivem por cerca de 130 dias em fezes dessecadas (STEVENS & GRAY, 2013) e por mais de 280 dias em solo cultivado adubado com esterco de animais e por 120 dias em pastagens (LÁZARO et al, 2008).
Assim, sobrevivem por longo tempo na ausência de parasitismo com consequente contaminação de tudo quanto encontra pela frente como mãos, calçados e roupas dos trabalhadores; objetos; fômites; veículos; instalações; frequentadores de composteira e circunvizinhanças dos galpões (exterior do corpo de roedores, de artrópodes como moscas e baratas, de animais de vida livre incluindo aves que frequentam uma granja, principalmente à noite); e infectando vetores biológicos como o cascudinho (Alphitobios diaperinus).
Considerar que roedores, moscas, cascudinhos, aves (destaque-se as necrofágicas) e outros animais de vida livre movimentam-se livremente entre granjas de uma mesma região incluindo granjas de aves e de suínos.
2. Como pensar a respeito do hospedeiro?
Significa não pensar o que o hospedeiro manifesta com a presença dos agentes etiológicos em seu organismo, mas como pensar a respeito da sua capacidade em hospedá-los e disseminar agentes de infecções/doenças.
Agentes da síndrome entérica apresentam capacidade de infectar elevado número de hospedeiros senão todos os animais de sangue quente e frio.
Este conhecimento nos concede autoridade cientifica para controlar o conjunto de agentes que causam a síndrome entérica em uma população e invalida qualquer procedimento de controle direcionado para um ou alguns poucos agentes etiológicos. Assim, é licito planejar um programa de controle de todas as salmonelas potencialmente presentes em certa área geográfica.
3. Como pensar a respeito do meio ambiente?
É o responsável pelo desequilíbrio da relação hospedeiro-parasita, principalmente quando as medidas de biosseguridade são frágeis e a contaminação é intensa.
4. Como pensar sobre a cadeia epidemiológica das infecções e doenças que constituem a síndrome entérica?
Como pensar em uma cadeia formada por 5 elos a saber:
FONTES DE INFECÇÃO:
- Definido como “animais vertebrados que albergam o agente etiológico no organismo e que elimina para o meio exterior”. São todos animais vertebrados de sangue quente e frio.
- Podem ser doentes ou portadores (eliminam o agente etiológico na ausência de sinais clínicos e reprodutoras são particularmente importantes) ou reservatórios (aves de vida livre, suínos e ruminantes para aves, roedores infectados principalmente pela
S. Typhimurium).
Profilaxia: Eliminação de reprodutoras e aves comerciais infectadas identificadas por procedimentos laboratoriais. Isolamento não procede e tratamento é antieconômico e, portanto, inviável.
VIAS DE ELIMINAÇÃO:
- Definido como “acesso do agente etiológico para o meio ambiente”. São as fezes/excretas e aves mortas.
Profilaxia: Destinação adequada de aves mortas e de excretas em local apropriado e de forma a prevenir ou mitigar risco de acesso de aves e animais silvestres ou domésticos de vida livre, de moscas e de roedores (HIMATHONGKHAM et al, 2000).
VIAS DE TRANSMISSÃO:
- Definido como meio ou veículo que o agente etiológico utiliza para acessar um novo hospedeiro e aqui incluído invertebrados.
Representado pelo trabalhador (mãos, calçados, roupas); água; ração; roedores (principalmente Rattus norvegicus) percorrem 1-2 km em busca de alimentos, abrigos e água; moscas voam 2-4 km; baratas; larvas de grãos; cascudinho (Alphitobius diaperinus); cama de aviário; animais mortos inadequadamente manuseados; ovo infectado na origem ou com casca contaminada; carreadores (aves de vida livre, cães, gatos), equipamentos, veículos, fômites.
Profilaxia: Higiene dos trabalhadores (assepsia das mãos, limpeza e desinfecção de calçados, roupas limpas), desinfecção (cloração) de água de dessedentação para que chegue ao bebedouro com cloro residual suficiente para mitigar risco de contaminação no bebedouro, prevenir contaminação de ração (na produção, embalagem, armazenamento, transporte e distribuição nos comedouros), controle de artrópodes, tratamento da cama principalmente em estabelecimentos de frango de corte, manejo rigoroso de composteira para prevenir acesso de visitantes noturnos (roedores, artrópodes cães e gatos domésticos ou silvestres), sanitização (limpeza e/ou lavagem e desinfecção) de veículos, equipamentos e instalações).
PORTA DE ENTRADA: É o “acesso do agente etiológico ao organismo de um novo hospedeiro”. Representada pela boca.
SUSCETÍVEL: Definido como “novo hospedeiro passível de ser infectados”.
Profilaxia: adquirir aves de reposição de origem idônea, vacinação contra S. Enteritidis, S. Gallinarum e S. Typhimuriun (IN Nº 41 de 04/12/2017), telagem dos galpões para mitigar acesso de aves e animais de vida livre.
Delineando um programa de controle de síndrome entérica
Biosseguridade
1. Delineamento: definição dos objetivos inicial, intermediário e final. Redigir Manual de Procedimentos, o tradicionalmente elaborado por cada empresa e constituído pelos POPs:
- Objetivo Inicial: introduzir medidas de biosseguridade;
- Objetivo intermediário: reduzir a morbidade e/ou mortalidade e aumentar a produtividade;
- Objetivo final ou propósito: melhorar as condições de saúde das aves.
2. Execução:
- Fase preparatória: reunir todos os elementos para alcançar o objetivo como estimativa de custos, seleção de funcionários, atribuir responsabilidades, treinamento dos funcionários. Recomendável que o treinamento esteja alinhado aos princípios modernos de qualidade incluindo o autocontrole.
- Fase de ataque: aplicação continua e sistemática dos procedimentos. Implica em se avaliar periodicamente para correção de rumos.
- Fase de consolidação: atingido o objetivo final, ajustar as medidas de biosseguridade para que não ocorre recrudescimento das infecções ou doença.
- Fase de manutenção: continuidade da fase anterior, porém integrando ao Plano de biosseguridade do estabelecimento.
- Avaliação: realizar avaliação periódica não apenas realizando provas laboratoriais para avaliação da presença ou ausência do patógeno, mas principalmente analisando estaticamente a morbidade, mortalidade, peso do lote ao abate, conversão alimentar.
Os testes estatísticos são bastante simples e que são teste de proporções para variáveis qualitativas e teste de médias para variáveis quantitativas.
5. Comentários Finais
Mais importante que fazer, é fazer bem e corretamente. Mais importante que a efetividade são a eficácia e eficiência.