20 mar 2018

Economista da FGV recomenda setor avícola a manter as barbas de molho

Felippe Cauê Serigati foi o responsável pela palestra magistral do XVI Congresso de Ovos da APA

"Vamos manter as barbas de molho em 2018”, recomendou o pesquisador pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Felipe Cauê Serigati, aos representantes do setor avícola, presentes no XVI Congresso de Ovos na noite desta terça-feira (20/3). Serigati, que é doutor em economia, foi o responsável pela palestra magistral do primeiro dia do evento organizado pela Associação Paulista de Avicultura (APA).

O economista falou a cerca de 350 pessoas, entre pesquisadores e produtores de ovos, que lotaram o auditório do Centro de Convenções de Ribeirão Preto. Serigati apontou dados positivos que apontam para um cenário positivo para o desenvolvimento da economia brasileira, porém, afirmou que as eleições são um fator de forte instabilidade.

O aviNews Brasil conversou com o economista. Confira abaixo a entrevista concedida por Felipe Serigati ao aviNews Brasil.

aviNews - O ano de 2018 é de eleições presidenciais no Brasil, razão de muitas incertezas. Um das importantes reformas sob o ponto de vista do mercado, que é a Reforma da Previdência, não terá ocorrido, pelo menos é o que aponta o quadro atual, com a intervenção no RJ que impede o andamento dessa Reforma. Quais as perspectivas para a economia do País nesse ano de 2018?

Felipe Cauê Serigati - Se eu puder sintetizar isso numa única frase: nós estamos começando o ano de 2018 bem melhor do que nós começamos 2017.  As perspectivas para a economia, com o ou sem Reforma (da Previdência), porque na verdade não tem mais espaço para ela, é bem favorável.

Se eu puder aprofundar um pouco mais esse ponto, nós temos diversos fatores que sugerem isso. Do lado monetário, a taxa de juros, provavelmente vá cair mais uma vez agora em março. Ou seja, passaremos 2018 com a menor taxa de juros da nossa história e sem qualquer perspectiva de alta ao longo de 2018 porque a inflação continua operando abaixo da meta.

Se a inflação está abaixo da meta, o Banco Central não tem qualquer incentivo para elevar essa taxa de juros. Ou seja, a política monetária continuará expansionista por um bom tempo, pelo menos ao longo de todo o ano de 2018. E onde isso reflete num dado real da economia?

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Bom, a gente vê uma reação do setor produtivo, seja do lado industrial, há pesquisas que mostram que 62% dos segmentos industriais acompanhados pelo IBGE na PIN (Pesquisa Industrial Mensal) têm crescido. Ou seja, esse crescimento, além de ser robusto, tem se espalhado.

São ótimas notícias. Isso a gente também vai ver se refletindo no comércio varejista, ou seja, na ponta final do processo produtivo. E, naturalmente, isso vai se refletir no mercado de trabalho.

Por mais que a taxa de desemprego ainda esteja elevada, é bom a gente se lembrar que o nosso ponto de partida, o primeiro trimestre de 2017, tínhamos um volume muito grande de desempregados, 14 milhões. Então, a gente parte de uma situação muito complicada.  Por mais que a economia tenha conseguido gerar um volume bastante substancial de postos de trabalho, a redução essa taxa de desemprego tem sido lenta. Mas não porque o mercado não tenha gerado postos de trabalho, mas porque a situação inicial era muito desconfortável.

Enfim, do lado das perspectivas econômicas para 2018, são boas. Então, a gente começa 2018 bem melhor do que a gente começou 2017.

AN - O Valor Bruto da Produção (VBP) agropecuária para 2018 deve ser 4,9% menor que o de 2017, segundo a primeira estimativa divulgada hoje (19/2) pela Secretaria de Política Agrícola (SPA) do Ministério da Agricultura. As lavouras devem ter redução real de 6,2% (milho -13%) e a pecuária de 2,3% (nesse ponto, importando a queda no VBP do frango). Será um ano de apreensão para o setor agro?

FCS - A safra anterior (2016/2017) foi recorde. Então, a não ser que você repita essa safra, você vai ter uma taxa negativa no período seguinte. Então, é natural que em 2018 nós tenhamos uma contração, seja do Valor Bruto da Produção Agropecuária, seja um número que eu acabo preferindo dado o meu viés como economista, o PIB das atividades agropecuárias deve encolher.

A nossa base de comparação, que é 2017, quando for olhar os números de 2018 é uma base muito larga. Então, se a gente for repetir a mesma supersafra do ano passado, o crescimento é zero.

Então, ter uma contração esse ano não é nenhum problema, nenhum sinal de grande crise, de forma alguma. Em outras palavras, uma safra menor, ou uma safra não tão grande quanto a safra anterior, é algo super esperado, dado que o ano anterior foi justamente a supersafra.

E o mais importante de saber se produziu mais ou menos, do que ficar pensando apenas em quantidade, vamos pensar em rentabilidade? Quanto que da renda gerada vai terminar efetivamente no bolso do produtor? Porque na safra anterior, por mais que tenha sido uma supersafra, os preços caíram, nem sensivelmente, caíram bem esses preços.

Ou seja, o produtor recebeu menos por esse produto que ele estava produzindo.
AN - O setor  de produção de proteína, principalmente o da avicultura e suinocultura, está apreensivo em relação à produção de insumos que refletem nos custos de produção, a exemplo do milho e da soja.  Há a expectativa de um aumento na destinação da soja produzida no Brasil para a produção de biodiesel (que deverá saltar dos atuais 4,2 bilhões de litros para 5,3 bilhões). Existe um grupo que discute maneiras de garantir uma situação bem equacionada de abastecimento a médio prazo, sem deixar de apontar que o produtor de milho necessita ter preço para ser estimulado. Como o Sr. avalia esse cenário?

FCS - Essa pergunta me chamou a atenção porque o foco é justamente na produção de biocombustíveis. Me parece que os produtores, não os de milho, mas o pessoal que usa milho como insumo de produção, por exemplo a cadeia de proteína animal, tem que realmente estar preocupado. Porque aquele preço baixinho do milho que eles pegaram no ano passado, devido justamente à supersafra não vai se repetir esse ano.

Basta lembrar que a área projetada de milho para esse ano foi menor. Uma menor área projetada, com uma situação climática não tão favorável como foi o ano passado, o volume de milho que vai chegar no mercado vai ser menor. Consequentemente, o preço desse milho vai ser maior.

Pra safra atual, talvez essa situação fique um pouco mais favorável para o produtor. Ele vai produzir menos, mas talvez a rentabilidade da sua produção seja maior. Naturalmente, se ano passado a rentabilidade foi maior para o produtor, alguém está pagando essa conta. Quem deve pagar a conta maior esse ano, provavelmente, seja quem vai adquirir essa matéria prima. Ou seja, toda a cadeia de carnes.

 

AN - As previsões são de crescimento do consumo de proteína animal tanto no mercado interno brasileiro, como no mercado internacional. A exportação continuará sendo o grande puxador de receitas para o setor?

FCS - O grande consumidor da carne brasileira é o próprio brasileiro. Então, embora a gente exporte bastante, é uma fração menor, não é a fração majoritária da nossa produção. Temos observado uma recuperação do mercado interno, sem dúvida alguma, só que a demanda por alimento é mais inelástica. Ela responde por variações da renda? Responde, mas de uma forma menos intensa.

Mesmo que estivesse crescendo fortemente, e olha que a previsão de crescimento do PIB não é baixa, estamos falando aí de 3% a 3,5%, a última vez que a gente viu uma taxa de crescimento como essa foi em 2011. Mas o fato é que isso não vai gerar um aumento da demanda por carne na mesma intensidade.  É um produto com uma demanda mais inelástica. Não tanto quanto o arroz, mas também não é tão elástica quanto diversos segmentos do setor de serviços, ou diversos produtos industriais.

Em outras palavras, se não houver grandes dores de cabeça no mercado externo, provavelmente será nele. Porém, se o mercado externo, por mais que ele possa ofertar maior rentabilidade, tem sido mais instável. Já o mercado doméstico, principalmente nessa trajetória de recuperação, pode oferecer maior estabilidade para aquisição desses produtos.

AN - Qual seu principal recado para os produtores de ovos do Congresso?

FCS - Se 2017 não foi um ano tão legal, embora para eles, como estão adquirindo os insumos a um preço mais razoável, vamos manter as barbas de molho em 2018.

Se por um lado, a economia brasileira está voltando a crescer, o que tende a aumentar a demanda pelos seus produtos, essa dinâmica pode ser revertida ou sofrer um certo abalo.

Com toda essa trajetória de recuperação, o que pode reverter essa trajetória? Tem um grande evento esse ano, que falei muito pouco em nossa conversa: eleições.

E eleições, suponhamos que um candidato um pouco mais outsider da política acabe liderando as pesquisas, nem tanto para o primeiro turno, mas principalmente para o 2º turno, o mercado vai reagir de uma maneira mais adversa e isso vai bater no câmbio, no dólar.

E esse dólar, se o produtor não estiver bem protegido, pode bater fortemente nele. Se ele está olhando mais para o mercado externo, tem um preço que é formado lá fora, isso até pode ser favorável num curto prazo. Porém, para algum segmento que esteja endividado em dólar, como a gente teve a turma do algodão, da cana de açúcar, algumas grandes empresas do setor de carne, esse pessoal pode sentir esse impacto fortemente.

Então, o cenário é bom? É. Está sugerindo uma trajetória de crescimento? Está. Essa recuperação é garantida? De forma alguma.

A grande casca de banana que está nesse caminho de recuperação são justamente as eleições. Então, se foi uma agenda de reformas que trouxe essa tranquilidade e começou a colocar a economia brasileira nos trilhos, justamente a perda de capital político, ou essa agenda de reformas deixar de ser prioridade, pode justamente tirar esse trenzinho dos trilhos novamente.

Direto de ribeirão Preto

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