28 mar 2018

Quais seriam os impactos da eliminação da produção animal dos EUA?

Este texto traz uma resenha do artigo de título em inglês "Nutritional and greenhouse gas impacts of removing animals from US agriculture", de autoria de Robin R. White e Mary Beth Hall.

O que aconteceria com a nutrição da população norte-americana e com e emissão de gases de efeito estufa se os Estados Unidos abolissem a produção animal? Esta curiosa pergunta foi tratada pelos pesquisadores Robin R. White e Mary Beth Hall em artigo publicado na prestigiosa revista PNAS, recentemente.

Este texto traz uma resenha do artigo de título em inglês "Nutritional and greenhouse gas impacts of removing animals from US agriculture", de autoria de Robin R. White e Mary Beth Hall. A resenha foi inicialmente publicada no Boletim Eletrônico do LAE/FMVZ/USP - Edição 119, de 28 de fevereiro de 2018.

A agropecuária tem contribuído para as emissões de gases de efeito estufa. Dentre as atividades desenvolvidas pela agropecuária, a produção animal é a principal colaboradora mundial nas emissões de gases de efeito estufa, que afetam o aquecimento global.

Diante deste contexto questiona-se se a eliminação da produção animal ou do consumo de alimentos de origem animal pode reduzir os gases com efeito de estufa e melhorar a segurança alimentar.

O objetivo deste estudo foi analisar a contribuição atual dos animais para o suprimento de alimentos e emissões de gases de efeito de estufa nos Estados Unidos da América (EUA) e comparar com cenários modelados, nos quais a pecuária e os alimentos de origem animal foram eliminados.

Dois cenários foram simulados considerando os alimentos disponíveis nos EUA, sendo:

cenário 1) alimentos produzidos internamente e importados;

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cenário 2) alimentos produzidos internamente incluindo exportados e excluindo importados. Para cada cenário foram simuladas duas dietas, uma com e uma sem produtos de origem animal. As dietas foram formuladas para satisfazer todas as necessidades nutricionais da população dos EUA, a um menor custo.

Nos cenários 1 e 2, sem produtos de origem animal, ou seja, a base de plantas, todos os grãos que seriam usados na alimentação animal foram considerados consumíveis pelos humanos. Assumiu-se que a terra utilizada para produção de feno, pré-secado e silagem seria utilizada para a produção de alimentos para os humanos. Com a remoção da produção animal, considerou-se que os fertilizantes seriam produzidos sinteticamente e os subprodutos não comestíveis pelos humanos seriam incinerados.

A produção total de alimentos no cenário sem animais foi dividida com base no uso para consumo animais de estimação, utilização alimentar, exportação, sementes e uso não alimentar. Os animais de produção considerados neste estudo foram aves, bovinos, peixes, crustáceos e moluscos.

Contribuição dos animais para o sistema atual de produção de alimentos dos EUA

A produção de alimentos dos EUA foi considerada como um ecossistema com transações entre componentes da produção animal e de plantas. As culturas agrícolas são processadas ou consumidas diretamente pelos animais. Os produtos processados e subprodutos são
utilizados em aplicações industriais ou para consumo de animais e seres humanos. Os animais fornecem esterco para adubação das culturas
agrícolas (Figura 1).

Figura 1 – Esquema de produção de alimentos dos Estados Unidos. Fonte: White e Hall (2017).

A pecuária dos EUA emprega 1,6 milhões de pessoas e as exportações anuais de produtos de origem animal representa US$ 31,8 bilhões, equivalente a 22% das exportações agropecuárias. A pecuária recicla mais de 43,2 bilhões kg de alimentos não comestíveis pelos os humanos e subprodutos de processamento de fibra, convertendo-os em alimentos comestíveis para as pessoas, alimentos para animais de estimação e produtos industriais; além de produzir 4,01 bilhões kg de fertilizante nitrogenado, 1,69 bilhões kg de fósforo e 1,88 bilhões kg de potássio.

Os alimentos de origem animal atualmente fornecem 24% da energia, 48% da proteína, 23-100% dos ácidos graxos essenciais, 34-67% dos aminoácidos essenciais e mais de 50% do cálcio, das vitaminas A, B12 e D, da colina e da riboflavina disponíveis para consumo humano nos EUA.

Produção de alimentos e nutrientes dos EUA com e sem animais

A remoção de animais de produção do sistema agropecuário dos EUA resultou em um aumento de 23% na quantidade total de alimentos disponíveis, excluindo as exportações atuais (Figura 2). Os grãos compreenderam a maior parte do aumento, dos quais o milho representou 77%, soja constituiu 92% das leguminosas. Os aumentos na produção de grãos e leguminosas, em vez de em outras culturas, refletem a alocação de terras cultiváveis com base nas proporções atuais. O baixo cultivo de vegetais e frutas se deve a adequação da terra, clima e infraestrutura para o cultivo dessas culturas.

Figura 2 – Quantidades e proporções de alimentos disponíveis em sistemas com e sem animais de produção nos Estados Unidos. Fonte: White e Hall (2017).

O aumento na quantidade total de alimentos disponíveis se deve ao fato dos alimentos utilizados anteriormente para a produção animal serem destinados ao consumo humano e a conversão das terras cultiváveis da pecuária para a agricultura, exceto as áreas utilizadas para produzir feno para os cavalos.

O suprimento total de nutrientes altera, quando os alimentos de origem animal são removidos do sistema. Os suprimentos de cálcio, ácidos graxos araquidônicos, eicosapentaenóicos (EPA) e docosahexaenóicos (DHA) e as vitaminas A e B12 foram insuficientes para atender aos requisitos da população dos EUA.

Adequação nutricional das dietas humanas com e sem animais

A dieta atual dos EUA inclui proporções de frutas, vegetais e alimentos de origem animal (Figura 3). Ao comparar com os requisitos nutricionais médios da população, os minerais e as vitaminas (principalmente cálcio, vitamina D e colina) e ácidos graxos essenciais (linoléico e α-linolênico) estão deficientes. No entanto, a proteína fornece 171% dos requisitos, e a energia consumida equivale a um excesso de 12% para seres humanos moderadamente ativos.

Figura 3 – Composição diária da dieta, emissões de CO2e, ingestão, custo e adequação de nutrientes da dieta atual dos EUA em comparação com uma série de dietas otimizadas com e sem alimentos de origem animal. Gráficos de barras indicam adequação dietética de nutrientes específicos por cenário; o roxo indica dieta atual, o azul indica dieta com produtos de origem animal, o amarelo indica uma dieta base de plantas. "Other" representa nozes, legumes, gorduras e edulcorantes. “ArachA”, ácido araquidônico. Fonte: White e Hall (2017).

Ao comparar a dieta atual com as dietas dos cenários 1 e 2 com produtos de origem animal, as proporções de alimentos derivados de animais e grãos aumentaram, enquanto as de vegetais e frutas diminuíram. Nas dietas a base de plantas, a proporção de grãos aumentou e todos os outros tipos de alimentos diminuíram. Em todas as dietas simuladas, as vitaminas D, E e K foram deficientes. A colina foi deficiente em todos os cenários, exceto no cenário 2 com animais. As alimentações a base de plantas apresentaram maior deficiência em nutrientes, como cálcio, vitaminas A e B12, EPA, DHA e ácido araquidônico.

As dietas simuladas forneceram mais de 230% da proteína necessária, enquanto o fornecimento de energia foi de 145% e 230% dos requisitos em sistemas com e sem animais, respectivamente. Outra diferença entre os cenários foi a quantidade de sólidos alimentares que deveriam ser consumidos para atender aos requisitos nutricionais. Essa quantidade foi maior nas dietas a base de plantas, podendo afetar a viabilidade de consumo.

Impactos de gases de efeito estufa da produção animal

A pecuária contribui com 49% das emissões de gases de efeito estufa da agropecuária dos EUA. A eliminação de animais de produção diminuiu 28% das emissões de gases (Figura 4). Essa redução não foi equivalente as emissões da pecuária devido à necessidade de utilizar fertilizantes sintéticos para substituir o esterco, o descarte de subprodutos alimentares não comestíveis para humanos e a produção de culturas adicionais em terras anteriormente utilizadas pelos animais. Assumindo que as emissões agropecuárias representam 9% das emissões totais dos EUA, a eliminação dos animais de produção reduziria as emissões totais dos EUA em 2,6 unidades percentuais.

Figura 4 – Emissões de gases de efeito estufa associadas à produção de alimentos no sistema atual dos EUA e em sistema modelado no qual os alimentos de origem animal foram eliminados. Fonte: White e Hall, (2017).

Este estudo sugere que a remoção da produção animal da agropecuária norte-americana reduziria as emissões de gases de efeito estufa, mas resultaria em dietas inviáveis ao curto e longo prazo para suprir as necessidades nutricionais da população, sem suplementação de nutrientes.

Os desafios dos sistemas a base de plantas são equilibrar as dietas para a população, considerando os tipos de culturas que podem ser cultivadas nos climas e solos disponíveis; avaliar se essas dietas seriam viáveis para o consumo; e se o aumento da ingestão de soja não seria prejudicial à saúde, devido aos fitoestrogênios.

Diante dos resultados apresentados neste estudo faz-se a seguinte reflexão: a remoção dos alimentos de origem animal da dieta da população deve ser analisada de forma holística, avaliando os efeitos diretos e indiretos das mudanças no sistema.

Resumo publicado no Boletim Eletrônico do LAE/FMVZ/USP - Edição 119, de 28 de fevereiro de 2018

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