
Quanto estamos dispostos a perder no dia a dia de qualquer negócio? Dificilmente conseguiremos chegar a um número aceitável quando estamos falando em perdas financeiras na nossa produção. Assim como em praticamente todos os setores, quem atua com frango de corte, de postura e com reprodutoras também tem metas a cumprir. Se não atinge certos índices estabelecidos, pode amargar resultados bastante insatisfatórios.
E isso está diretamente relacionado com a sanidade de plantéis. Diversas são as premissas que sabemos que devemos seguir para evitar que eles sejam acometidos por doenças. Entre elas, está seguir os quatro pilares da produção avícola: cuidados com a nutrição, com o manejo (arraçoamento, seleção de ovos e aves), com a sanidade (medidas de biosseguridade, imunização dos lotes, monitorias, foco na qualidade de água) e com a ambiência (bem estar animal).
Até aqui, podemos estar tratando da questão de forma genérica. Então vou incluir uma provocação: todos esses cuidados são fundamentais, é fato. No entanto, se não começarmos a olhar com muita atenção para todos os pontos críticos que afetam qualidade dos pintos antes do seu nascimento, incluindo processos e até gerações anteriores, seremos inevitavelmente obrigados a tomar decisões complexas quando agentes patogênicos se manifestarem. Decisões essas que podem envolver perder parte da produção, ou tratá-la com antibióticos, que oferecem uma solução imediata, mas que contribuem para a manutenção de pintos de baixa qualidade — lembramos que um dos maiores problemas atualmente nas granjas é a mortalidade inicial por onfalite — e para a resistência antimicrobiana (que já tratamos aqui), um problema de grande relevância à saúde pública.
O que fazer para evitar que esse cenário se crie? Tomando medidas preventivas que começam ainda no período de pré-eclosão. Vou detalhar melhor a seguir.
Por que ter cuidados ainda durante a pré-eclosão?
O pinto de um dia carrega consigo todas as características genéticas da sua linhagem e das condições em que ele foi incubado. Em outras palavras: ele é reflexo da incubação, do sistema de produção das matrizes, do manejo da fase de recria dessas matrizes e é reflexo da matriz de 1 dia que o gerou. E você deve estar se perguntando: mas, mesmo depois de toda essa cadeia, o pintinho será impactado pela forma como sua mãe ou avó foi criada? A resposta é SIM.
E como reverter essa questão? Por onde começar? Em recente treinamento para a equipe interna de representantes da Biocamp, reuni alguns dos caminhos para isso e vou contar a seguir. Já adianto o primeiro deles: entender a importância da cloaca das aves.
Cloaca
Há 150 milhões de anos os ovos saem por esse órgão. Portanto, se precisamos reduzir a presença de bactérias patogênicas ou oportunistas na casca do ovo, é muito importante estabelecer mecanismos que diminuam sua presença ou concentração no trato digestivo das aves.
A cloaca de uma ave tem múltiplas funções e pertence a três sistemas: digestivo, excretor urinário e reprodutor. Isso significa que agentes saprófitas, oportunistas ou patógenos presentes em qualquer um dos segmentos desses sistemas poderão chegar até ela e, então, contaminar qualquer estrutura do ovo: gema, clara, membrana interna ou externa, e a casca do ovo.
Qual ação tomar a partir desta constatação? Iniciar tratamentos para inibir doenças? Minha orientação é analisar antes de agir.
Há um artigo bastante interessante publicado em 2019 na revista Nature, cujo objetivo foi caracterizar a comunidade microbiana no trato reprodutivo de galinhas e determinar a origem da microbiota intestinal dos embriões.
O trabalho mostra a variedade de bactérias saprófitas que estão presentes no oviduto, na cloaca, na casca do ovo, na clara e no próprio embrião. A questão é que, em situação de equilíbrio, sua presença traz benefício para a ave.
Outro exemplo da presença benéfica de uma bactéria está na E. coli no trato intestinal inferior, que inibe o crescimento de outras bactérias, como a Salmonella. A última edição do Diseases of Poultry (2020) mostrou que em aves normais, entre 10 a 15% dos coliformes intestinais podem pertencer a sorotipos potencialmente patogênicos. A E. coli no trato intestinal consiste, portanto, em um reservatório de fatores de virulência e resistência antimicrobiana. E o que deve ser feito? Nada! Tentar destruí-los com o uso de antibióticos é também reduzir os outros 85% que não são patogênicos.
A mesma publicação também cita a população de C. perfringens, que está sempre presente no intestino delgado de aves saudáveis. Mesmo em grandes quantidades, ela não é suficiente para produzir a Enterite Necrótica, provocando algum problema no trato digestivo apenas quando chega a níveis altos, o que só acontece, por exemplo, com desafios por coccidiose, altas dietas com proteína bruta (PB) e polissacarídeos não amiláceos nos alimentos (PNAs) que retardam o peristaltismo e favorecem a adesão bacteriana aos enterócitos. Corrigindo qualquer um desses fatores, é possível evitar que o problema ocorra.
Uso de antimicrobianos
Quando há uso preventivo frequente e/ou indiscriminado de antibióticos na matriz para reduzir as bactérias patogênicas, é possível até que algumas perdas produtivas sejam reduzidas. No entanto, isso gera um problema potencialmente maior: i) desequilíbrio da microbiota intestinal (disbiose) e ii) criar condições favoráveis para seleção de bactérias resistentes.
Geralmente as principais patologias aviárias e outras afecções, que com maior frequência afetam aves de reprodução, sujeitas a tratamento com antimicrobianos (AMCs) — ou onde seu uso é praticado de forma preventiva e frequente— são:
Quando isso acontece, os antibióticos reduzem a presença de bactérias saprófitas propiciando o aumento do nível, da concentração e da intensidade de bactérias patogênicas.
É por isso que os matrizeiros precisam ter mais atenção e controle no período pré-eclosão: para que não haja perda de 0,5 a 1% do lote já no primeiro dia e para que os demais pintos, após o tratamento, não sejam apenas “sobreviventes ao processo”.
O papel dos profissionais do setor
Cabe aos profissionais do setor serem defensores de uma nova forma de focar em produtividade e gestão de custos sem sacrificar as questões sanitárias e — mais importante! — sem incentivar a multirresistência das bactérias.
Para se ter ideia, 50% dos frangos europeus estão contaminadas com patógenos resistentes aos antibióticos* e 35% contém patógenos resistentes a antibióticos importantes para a saúde pública.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já fez um alerta: em 2050 haverá mais pessoas morrendo de infecções por bactérias multirresistentes a antibióticos que de outras doenças. Tudo indica, conforme estudos, que essa será a próxima “pandemia” que viveremos.
Será um problema de saúde que poderá matar até 10 milhões daqui 30 anos. Mas, ao contrário da pandemia da Covid-19, que pegou a todos desprevenidos, ainda é tempo para agir e mudar esse cenário.
Em tempos em que programas como ESG (governança, ambiental e social) estão cada vez mais em evidência e já são exigência do nosso mercado, aqueles que não se adequarem a essas questões irão ter dificuldades de colocação de seus produtos e, até mesmo, desaparecer.
Por isso, precisamos adotar cada vez mais novas políticas e pensar em ferramentas que mostrem efetividade, sejam interessantes e capazes de modular a microbiota intestinal de maneira a não tornar as bactérias super resistentes.
Paulo Martins é diretor Técnico e Comercial da Biocamp
Os probióticos são um dos caminhos para isso. As bactérias probióticas de uma ou mais espécies fazem a colonização ainda na reprodutora e no período pré-eclosão e ajudam a reduzir o crescimento das patogênicas que podem provocar enfermidades. Os clientes que já aderiram à iniciativa, inclusive, já apontaram aumento de produtividade e diminuição dos custos — em especial com medicamentos.
Enquanto nós não decidirmos definitivamente ampliar uso de probióticos na recria e reprodução de reprodutoras, sejam elas matrizes ou avós, vamos continuar favorecendo essa cadeia. E o frango de corte também deveria passar pelo mesmo processo.
Qual futuro você quer para o seu negócio?
Paulo Martins é diretor Técnico e Comercial da Biocamp
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