Patologia e Saúde Animal

Como a Salmonella se adapta e sobrevive no frango e no meio ambiente

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Para ler mais conteúdo de aviNews Brasil Março 2020

Como a Salmonella se adapta e sobrevive no frango e no meio ambiente

As salmonelas põem em risco a saúde do ser humano e também a saúde e o desempenho das aves. Salmonelas paratíficas estão amplamente distribuídas na natureza e são resistentes ao meio ambiente, podendo sobreviver semanas e até meses fora das aves.

Focar em Salmonella nos frangos de corte sempre é importante, já que há perdas econômicas quando frangos positivos para salmonelas chegam à planta de abate. As perdas também são contabilizadas pelo produtor com custos adicionais na limpeza e desinfecção dos galpões.

salmonellaO presente artigo aborda a resistência da salmonela nas aves e meio ambiente, particularizando características de alguns sorovares. Talvez esses elementos sejam importantes para entender porque, com tudo o que se faz, ainda se tem salmonela na produção.

 

  • Salmonella & resistência ao ambiente

Os diferentes fatores estressantes (Figura 1) promovem mudanças na biologia das células bacterianas, o que permite modificações nas características fisiológicas conhecidas para cada gênero e determina uma maior resistência à ave e ao ambiente. Isso também ocorre em salmonelas.

Figura 1: Representação da dinâmica da sobrevivência de salmonelas em situações de estresse

  • SOBREVIVÊNCIA AO CALOR

A salmonela é considerada uma bactéria mesófila, se desenvolvendo em ampla faixa de temperatura. A sobrevivência ao calor deve-se, geneticamente, aos fatores Sigma, que podem detectar alterações na membrana externa e ativar genes em resposta ao estresse térmico, para que as bactérias se adaptem a altas temperaturas. Particularmente, a resistência ao estresse térmico é muito conhecida na Salmonella ser. Senftenberg, que tem alta resistência ao calor, com uma termotolerância aproximadamente 30 vezes maior que a Salmonella ser. Typhimurium.

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Quanto ao frio, a salmonela utiliza proteínas de choque frio (CSP) como resposta à rápida adaptação às reduções da temperatura ambiental. Estas proteínas se desenvolvem durante a fase de aclimatação de 30oC a 10oC. Foram realizados muitos estudos sobre a capacidade da Salmonella em aumentar sua taxa de sobrevivência, expressando CSPs quando tratadas a baixa temperatura (5oC a 10oC) antes do congelamento.Comprovou-se que a Salmonella ser. Enteritidis pode sobreviver em partes do frango a 2oC e na casca de ovos a 4oC, enquanto a Salmonella ser. Typhimurium sobrevive no frango picado a 2oC.

Outro fator interessante que pode interferir na resistência de salmonelas é o pH baixo. A respeito de condições ácidas, as salmonelas infectam as aves principalmente via oral, chegando ao papo com pH de 4 a 5. Ao produzir-se uma adaptação a este pH, a Salmonella pode sobreviver e se adaptar a um pH mais ácido e, portanto, sobreviver aos efeitos antibacterianos do pH do trato digestivo. Os genes que conferem resistência aos ácidos atuam nas células bacterianas aumentando a resistência ao baixo pH e aumentando a sobrevivência dentro dos macrófagos. Assim, as salmonelas podem permanecer mais tempo infectando as aves.

É interessante compreender que as salmonelas que são expostas a ambientes ácidos, com pH 5.5 a 6.0, podem apresentar posterior tolerância aos ácidos (ATR), que aumenta o potencial de sobrevivência em ambientes extremamente ácidos (pH 3.0 a 4.0). Alguns dados sobre os sorovares de salmonelas e dos ácidos citam que os isolamentos de Salmonella ser. Kentucky de carcaças de frango apresentaram maior sensibilidade ao ácido (pH 5.5) em comparação a outros sorovares de Salmonella (ser. Enteritidis, ser. Mbandaka e ser. Typhimurium).

Na adaptação ao estresse em meio ácido, há implicação de genes de virulência. Descreveu-se que a virulência pode ser ativada pelo estresse do ácido acético, por exemplo, com a expressão de genes da virulência em resposta ao pH e isso foi demonstrado para diferentes sorovares de Salmonella (ser. Typhimurium, ser. Senftenberg, ser. Heidelberg, ser. Mbandanka, ser. Montevideo e ser. Infantis).

Sobre o descrito, acredita-se que a Salmonella tem um potencial aumento da virulência nas infecções das aves, induzida pela sobrevivência aos estresses ácido e calórico.

Ainda neste tema de resistência das salmonelas na produção de aves, é importante considerar que a sobrevivência das salmonelas no meio ambiente pode ter outro fator envolvido, a atividade da água (aw), que para o crescimento da maioria das bactérias, incluída a Salmonella, deve ser alta. Se a aw é baixa, mas não suficiente para matar as salmonelas, pode ocorrer o fenômeno de dessecação das células bacterianas.

As salmonelas podem estar expostas ao estresse da dessecação por inúmeros fatores presentes no ambiente das aves, como poeira, fezes secas e equipamentos que, inclusive após os procedimentos de limpeza e desinfecção, podem expor a Salmonella à dessecação e sobrevivência.

Nos diferentes sorovares das salmonelas, descobriu-se que as cepas de Salmonella ser. Enteritidis, Salmonella ser. Typhimurium e Salmonella ser. Mbandaka são mais tolerantes à dessecação.

Em termos práticos está comprovado que as células de salmonelas adaptadas à dessecação, em cama de frango reutilizada, apresentaram maior resistência térmica. A temperatura é muito efetiva na inativação das bactérias indesejáveis. No entanto, para obter um efeito inibitório satisfatório sobre organismos indesejáveis deve-se considerar a temperatura e tempo de exposição, assim como aw, pH e amoníaco no manejo nos diferentes tratamentos para reutilização da cama de frango.

Além da atual resistência das salmonelas ao calor, frio, pH e dessecação, elas podem apresentar capacidade de formação de biofilme. Essa formação permite que as salmonelas permaneçam nos diferentes ambientes da produção avícola, porque favorece a resistência e persistência bacteriana, inclusive em ambientes hostís como plantas de processamento de aves e plantas de processamento de ração.

Existem várias definições de biofilme, porém pode-se dizer que é um conjunto de células microbianas que aderem irreversivelmente (e não são eliminadas facilmente através de uma lavagem leve) a uma superfície do material, principalmente, do material de polissacarídeos. Os organismos associados com o biofilme também diferem de suas formas planctônicas em relação aos genes que se transcrevem.

As células em estado de biofilme na natureza, geralmente persistem em algumas superfícies e não são tão puras como em estado não aderido. Neste contexto, as células bacterianas em um biofilme têm a capacidade de intercambiar componentes genéticos a um ritmo maior, podendo facilitar a aquisição de novos genes para a virulência e resistência ambiental.

As bactérias produtoras de biofilme, como a Salmonella, podem ser uma ameaça grave para a saúde pública devido à possibilidade de que microorganismos patógenos derivados dos biofilmes cheguem a contaminar produtos alimentares.

A formação do biofilme aumenta a capacidade das bactérias patógenas de sobreviver aos fatores estressantes que normalmente se encontram nas plantas de processamento de ração, ou durante a infecção no hospedeiro.

Os estudos com formação de biofilme comprovam que, quando as bactérias são expostas a hormônios liberados pelo animal durante a situação de estresse (catecolaminas), elas podem modificar sua capacidade de virulência para formar biofilme. O estresse ocorre nos frangos por diferentes causas, em diferentes momentos, como por exemplo temperaturas extremas, restrições de alimento e/ou água, vacinação, grande densidade e exposição a agentes infecciosos.

Neste sentido, em um de nossos estudos conduzido por Hiller e colegas (2019), foi avaliada a influência das catecolaminas na formação de biofilmes em Salmonella ser. Enteritidis. Entre as catecolaminas estudadas, a noradrenalina pareceu ser mais eficiente para estimular a formação de biofilmes em amostras de Salmonella ser. Enteritidis a 12°C.

Em outro de nossos estudos, a maior aderência de Salmonella à superfície foi demonstrada quando expostas as cepas de Salmonella ser. Heidelberg à indução ácida (Lucca, et al. 2020).

Além disso, o aumento da resistência à ação dos desinfetantes foi detectado nas salmonelas em biofilme e, ainda, os biofilmes também conferem resistência aos antibióticos.

Provou-se que biofilme de Salmonella em superfícies de plástico, cimento e aço inoxidável são muito mais resistentes aos desinfetantes cloro e iodo, em comparação com as células planctônicas.

Outro estudo comprova que, ainda que se tenha observado forte efeito do triclosan (1000 ug/ml) nas células da fase logarítmica, apenas encontrou-se efeito fraco nas células associadas a biofilme (o triclosan foi avaliado pelo Comitê Científico de Alimentos e Autoridade Europeia de Segurança Alimentar para uso em materiais em contato com alimentos, classificado com uma restrição de 5mg/kg de alimento; esta avaliação considerou o uso de triclosan como biocida de superfície). No entanto, um exemplo demonstra que salmonelas em biofilme adaptadas ao cloreto de benzalcônio, ante a exposição a concentrações sub inibitória durante certo período de tempo, adquiriram a capacidade de sobreviver a uma exposição normalmente letal deste desinfetante.

 

É possível observar que as salmonelas podem ser desafiadas a tornarem-se resistentes, quer seja pela ativação de genes de resistência ao estresse, genes de virulência, ou através da formação de biofilme.

A habilidade das salmonelas para suportar os diferentes desafios, na maioria das vezes, são induzidas pelo homem. Quando os processos de controle não são realizados adequadamente, as células de salmonelas podem sobreviver, desenvolver resistência e permanecer no ambiente de produção.

É plausível destacar que, na produção avícola moderna, o que potencialmente permite a permanência e o aumento da resistência das salmonelas no campo e nas plantas de processamento, são principalmente:

É necessário prestar atenção e melhorar os processos de manejo e biosseguridade para diminuir a resistência de salmonelas ao meio ambiente e conseguir reduzir a incidência na indústria avícola.

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