Patologia e Saúde Animal

Ácidos orgânicos no período de jejum pré-abate de frangos. Uma estratégia de suporte para diminuir as contaminações por enteropatógenos

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Fabrizio Matté

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Luiz Eduardo Takano

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Patrick Iury Roieski

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Ácidos orgânicos no período de jejum pré-abate de frangos. Uma estratégia de suporte para diminuir as contaminações por enteropatógenos

A retirada da alimentação ou jejum pré-abate é uma prática de gestão comum na produção de frangos de corte dentro da avicultura industrial, pois permite o esvaziamento do sistema digestivo da ave e reduz os custos com ração (BARREIRO et al., 2012). Assim sendo, tem como seu objetivo melhorar a eficiência da produção, evitando desperdício de alimento que não será convertido em carne, e diminuir a contaminação principalmente por enteropatógenos no abatedouro.

O tempo gasto no período de jejum tem sido amplamente discutido, variando entre 8 a 12 horas, no entanto, ele é influenciado pela logística da empresa, distância até o abatedouro e o tempo de espera na plataforma, podendo assim ter sua duração prolongada (NORTHCUTT et al., 1997).

A retirada da água com a ração é um método incorreto, pois a água auxilia na passagem do alimento pelo sistema digestivo da ave. Para uma menor contaminação no abatedouro é fundamental que o intestino esteja vazio, sendo necessário que o papo também esteja vazio no momento da apanha das aves (MENDES, 2001).

Além disso, à medida que o tempo de jejum aumenta, o peso das aves diminui (MENDES, 2001) devido à desidratação nos músculos (DUKE et al., 1997). Segundo ROSA et al. (2002), a perda de peso varia de 0,20% a 0,40% por hora de jejum. Aproximadamente entre 50% a 75% da perda de peso vivo durante as primeiras quatro horas do jejum é devido à perda de água e matéria seca do conteúdo intestinal (DUKE et al., 1997). Desta forma, é importante estimular o consumo de água pelas aves a fim de mitigar a desidratação que poderá ocorrer durante o processo.

  • CONTEÚDO INTESTINAL E A CONTAMINAÇÃO NO ABATEDOURO

A microbiota é considerada um componente defensivo da barreira intestinal. O papel desempenhado pelas comunidades bacterianas é limitar o crescimento excessivo de microrganismos e proteger seus hospedeiros contra a invasão de potenciais agentes patogênicos (HUANG et al. 2015).

Um dos efeitos indesejáveis do jejum pré-abate é a diminuição da capacidade natural do papo em inibir a colonização de Salmonella spp. e outros enteropatógenos. Já foi demonstrada uma alta proliferação de enteropatógenos e aeróbios cecais com a diminuição concomitante de bactérias láticas no papo de frangos de corte submetidos a 24 horas de jejum (HINTON et al. 2000).

O papo, o proventrículo e a moela formam as partes anteriores do trato gastrointestinal das aves, onde o pH é baixo (Figura 1). A parede do papo é colonizada por Lactobacillus, que causa uma diminuição no pH pela produção de ácidos graxos voláteis (Fuller, 1973). 

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Figura 1 – Sistema digestivo com seus segmentos e pH. Adaptado e redesenhado de Riis e Jokobsen, 1969 Hill, 1971 Simon e Versteeg, 1989 e Herpol e Van Grembergen, 1967.

Em função da predominância de Lactobacillus no papo, produzindo ácido lático e acético, o crescimento de outras bactérias diminui. Nas aves, bactérias patogênicas como Salmonella tem o inglúvio como porta de acesso ao trato gastrointestinal, assim, um controle neste local é muito importante para impedir ou diminuir a proliferação destes patógenos.

Naturalmente, após as aves se alimentarem ocorre uma redução do pH do papo. Os Lactobacillus spp. presentes produzem ácido lático tornando o ambiente local mais ácido, em torno de 5,5 (Figura 2) e proporcionando um efeito bacteriostático e ou bactericida sobre as bactérias sensíveis, impedindo a multiplicação de Salmonella spp., E. coli. entre outros enteropatógenos, que se desenvolvem em faixas de pH mais elevadas.

Figura 2 – Efeito do pH sobre a microbiota do papo (foto ilustrativa adaptada de https://en.wikivet.net/Crop_-_Anatomy_and_Physiology)

Além disso, a redução do pH do papo contribui para a digestão alimentar das aves, via hidrólise do alimento estocado. Entretanto, com o aumento do tempo de jejum pré-abate e sem a presença dos carboidratos fermentativos requeridos pelas bactérias láticas para seu crescimento e produção de ácido lático, ácido acético e propiônico (HINTON et al., 2000), o pH do papo aumenta, possibilitando a proliferação de enteropatógenos (Figura 2). Além do que, ainda temos a ingestão de cama devido a longa privação de alimento das aves, isso também contribui para que a carga de bactérias patógenas aumente no papo, que pode romper no processamento, contaminando toda a carcaça.

Portanto, recomenda-se que o jejum não ultrapasse mais que 12 horas (LUDTKE et al., 2008). Diminuições significativas na população de bactérias láticas no papo ocorrem dentro de seis horas após iniciar a retirada da alimentação (HINTON et al., 2000). À medida que o jejum continua, até 24 horas, tanto o pH como o nível de bactérias continuam se elevando. Foi reportada por Hargis et al. (1995) uma maior incidência de Salmonella spp. no papo comparado aos cecos das aves, quando ocorre aumento na duração do jejum pré-abate. Certamente, isso está relacionado à ingestão de cama pelas aves durante o jejum.

A contaminação da ave ocorre quando o trato digestivo se rompe ou é cortado, ou quando as fezes são eliminadas. Entretanto, deve-se ter em mente que não só o “chiller”, mas também as caixas de transporte, a depenadeira e a escaldadeira são fontes importantes de contaminação cruzada no abatedouro, pois as sujidades presentes na superfície externa das aves abrigam um número muito grande de microrganismos, com valores de 220 milhões a um bilhão por grama (DELAZARI, 2001).

 Como grupo químico, os ácidos orgânicos são considerados qualquer substância de estrutura geral R-COOH, gerando grupos de compostos relacionados, conhecidos como derivados dos ácidos carboxílicos como os aminoácidos, coenzimas e metabólitos intermediários (Solomon e Fryhle, 2002). 

Também conhecidos como ácidos graxos voláteis, ácidos graxos ou ácidos fracos, ou qualquer ácido que contenha uma ou mais carboxilas em sua molécula. Com base no número de átomos de carbono na cadeia, são classificados em três grupos: ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) até 5 carbonos, ácidos graxos de cadeia média (AGCM) de 6 a 11 carbonos; e ácidos graxos de cadeia longa (AGCL) a partir de 12 carbonos (Desboi e Smith, 2010).

O principal mecanismo de ação dos ácidos refere-se à “Teoria dos Ácidos Fracos”, exercendo atividade antimicrobiana devido a redução do pH no interior da célula microbiana (Cherrington et al., 1991). A forma não dissociada do ácido é lipossolúvel e nessa forma tem capacidade de atravessar de forma passiva a membrana celular (Figura 3).

Figura 3. Mecanismo de ação dos ácidos orgânicos sobre as bactérias (Gauthier, 2005)

Outra forma de ação dos ácidos no controle microbiano refere-se à capacidade de alterar sua forma dissociada e não dissociada em função do seu potencial de dissociação (pKa) e do pH do meio (Partanen e Mroz, 1999). Resumidamente, o pKa representa a faixa de pH do meio em que um ácido (ou uma base) se encontra 50% dissociado. A constante de dissociação (pKa) é diferente para cada ácido e está relacionada com o pH. Pesquisas têm demonstrado que os ácidos na forma não dissociada são lipofílicos e, portanto, melhor absorvidos pelas células, pois são transportados passivamente pela membrana citoplasmática (Clark e Cronan, 2005; Partanen, 2002).

Dessa forma, a eficiência antimicrobiana de um ácido depende da relação entre seu pKa (constante de dissociação) e o pH do meio e, portanto, ácidos com faixas de pKa mais elevados têm maior capacidade de ação. No intestino das aves, por exemplo, o pH médio é cerca de 6,5; neste local os ácidos com pKa mais altos apresentam-se em maior proporção na forma não dissociada quando comparados a ácidos com pKa mais baixos.

Essas informações confirmam a vantagem de se utilizar misturas de ácidos (de diferentes faixas de pKa) como aditivos conservantes de alimento e/ou melhoradores de desenvolvimento naturais por apresentarem capacidade protetora maior que o uso de ácidos isolados. Dessa forma, apresentam dissociação em diferentes pH e podem manter a ação antimicrobiana em maior extensão gastrointestinal (PENZ; SILVA; RODRIGUEZ, 1993).

Em geral, os alvos bacterianos potenciais de compostos biocidas incluem a parede celular, membrana citoplasmática e funções metabólicas específicas no citoplasma associadas à replicação, síntese de proteínas e função (Denyer e Stewart, 1998; Davidson, 2001). Dada a natureza de ácido fraco da maioria desses compostos, o pH é considerado um determinante primário de eficácia porque afeta a concentração de ácido não dissociado formado (Davidson, 2001). 

O uso de ácidos orgânicos na água antes do abate das aves pode ser uma alternativa viável para redução de microrganismos patogênicos, conforme sugere Byrd et al. (2001) que observou redução na incidência de Salmonella spp. e Campylobacter spp. em papo e em carcaças de frangos após o uso de de ácidos orgânicos, oito horas antes do abate.  

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