Encontrada em todos os ambientes de criação avícola, nas fezes e inclusive no próprio organismo da ave, a Escherichia coli é uma das bactérias mais presentes em granjas comerciais, sejam elas de matrizes, de postura ou de frangos de corte.
Já a E. coli patogênica para aves (APEC, do inglês, “Avian Pathogenic E. coli”), pertencente a categoria das E. coli patogênicas extra intestinais (ExPEC), é o agente causador da colibacilose aviária, uma das doenças bacterianas endêmicas mais comuns e que mais causam prejuízos a avicultura.
Assim como a E. coli patogênica encontrada em outras espécies, a APEC existe como um componente comensal da microbiota intestinal aviária, mas pode emergir para causar uma variedade de quadros clínicos.
Sua transmissão pode ocorrer:
Reprodutora para a progênie por meio do contato do ovo com as fezes.
De forma horizontal por meio do contato com fezes e inalação de poeira contaminada.Lesões provocadas por agentes externos à mucosa respiratória ou intestinal podem predispor as aves à infecção por APEC, levando a manifestações clínicas, tais como:
Celulite
Osteomielite
Aerossaculite
Peritonite
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Perihepatite
Pericardite
Artrite
Colisepticemia.
Estas condições patológicas são responsáveis por problemas sanitários em toda a cadeia da produção avícola, podendo causar:
Elevada mortalidade nos plantéis
Condenações nos abatedouros
Custos com tratamentos e consequentemente a perda de milhões de dólares para a indústria como um todo.
De todas as E. coli presentes no trato gastrointestinal das aves, cerca de 85 a 90% não são patogênicas (conhecidas como AFEC, do inglês “Avian Fecal E. coli” ou E. coli Fecal Aviária), enquanto apenas 10 a 15% delas podem ser APEC e possuir características distintas de virulência que possibilitam esse microrganismo contornar as defesas do hospedeiro, se multiplicar e causar danos.
Estratégias sanitárias para conter e controlar o avanço das APEC na cadeia de produção tornaram-se essenciais para a avicultura.
Medidas de biosseguridade
Higienização do ambiente
Uso de antibióticos
Em menor escala, a vacinação
Contudo, o uso de terapêuticos, principalmente antibióticos, é um tanto questionável, visto que a maioria deles não são seletivos exclusivamente para as cepas APEC, podendo como consequência gerar um desequilíbrio da microbiota natural da ave, agravar os sinais clínicos e, o mais grave, selecionar cepas resistentes.
Neste ponto, em específico, é onde se encontra um dos grandes desafios para a área de sanidade avícola, a correta identificação dos casos de infecção associados ao patotipo APEC.
Metodologias tradicionais de monitoria e diagnóstico baseadas na caracterização sorológica da bactéria, embora sejam métodos simples, não são suficientes para a caracterização de cepas patogênicas dada a eventual não correlação do sorotipo com a patogenicidade e a existência de cepas tipificáveis.
Além disso, atualmente essa técnica tem caído em desuso no Brasil, estando restrita à poucos laboratórios da área de alimentos. Com isso, abre-se espaço para utilização de metodologias moleculares mais efetivas, capazes de detectar as características biológicas que conferem a uma bactéria a capacidade de ser patogênica ou não, como veremos a seguir.
DIAGNÓSTICO MOLECULARA patogenicidade da E. coli está frequentemente ligada à presença de plasmídeos que conferem uma gama de características associadas à virulência.
No entanto, nenhum gene, por si só, é conhecido por ser essencial para o desenvolvimento de infecção extra intestinal em aves. A patogenicidade de uma bactéria parece estar ligada a um conjunto heterogêneo de plasmídeos e genes cromossômicos envolvidos na:
Adesão bacteriana
Captação de ferro
Invasão
Toxicidade
Resistência a antibióticos
Sobrevivência e metabolismo sob estresse.
Para a identificação destes fatores de patogenicidade, as metodologias de análise moleculares têm ocupado cada vez mais espaço no diagnóstico dessas doenças, oferecendo excelentes alternativas laboratoriais de alta sensibilidade e especificidade para a detecção e tipificação desses agentes.
A técnica de Reação em Cadeia da Polimerase, mais conhecida apenas como PCR, ou ainda uma de suas derivações, como a PCR em Tempo Real (qPCR), tem sido amplamente utilizada para esse propósito.
Com a PCR e a qPCR, o diagnóstico é realizado por meio da detecção do material genético do agente em questão, ou ainda, detectando os genes específicos que conferem as características de patogenicidade ou resistência, possibilitando traçar o perfil genético do microrganismo de forma confiável, sensível e rápida.
São duas as principais metodologias moleculares utilizadas atualmente na diferenciação das E. coli não patogênicas das APEC.
A primeira a ser usada se baseia em um número mínimo de genes de virulência com capacidade de predizer o patotipo APEC de forma eficiente e econômica.
Como resultado de vários estudos, foi proposto o diagnóstico baseado em 5 fatores de virulência significativamente relacionados a APEC (os genes iroN, iss, iutA, ompT e hlyF) que, de modo geral, conferem à bactéria a capacidade de invadir, sobreviver no organismo hospedeiro e causar dano.
Por meio da presença desses marcadores, chamados preditores mínimos de virulência para aves, as cepas comensais foram distinguidas de isolados de APEC altamente patogênicos.
Cepas de E. coli isoladas de lesões clínicas podem ser testadas para estes 5 fatores, sendo consideradas como uma APEC quando a cepa apresentar 3 ou mais desses genes.
Uma avaliação retrospectiva das amostras processadas pelo Setor de Biologia Molecular do MercoLab mostrou que nem todas as E. coli isoladas de lesões clínicas são do patotipo APEC.
Em quase um terço das aves acometidas por colibacilose (28,6%) a E. coli isolada foi caracterizada como não portadora de no mínimo 3 genes da APEC. Seria uma amostra da microbiota normal da ave possivelmente envolvida em uma infecção secundária? Não sabemos.
Dados: Setor de Biologia Molecular MercoLab Laboratórios Ltda. 22 de dezembro 2021.
Amostras de casos clínicos diagnosticados com colibacilose recebidos pelo MercLab Laboratórios para isolamento e detecção da Escherichia coli patogênica para aves (APEC) por PCR em tempo real.
Frequência da ocorrência dos fatores de virulência identificados nas amostras positivas para APEC por PCR em tempo real.
A outra importante ferramenta empregada na determinação do potencial patogênico das cepas de E. coli, que surgiu mais recentemente, é a filotipagem realizada por PCR por meio do esquema de Clermont (Clermont et al., 2000; 2013).
Este método separa as E. coli em filogrupos (A, B1, B2, C, D, E, F), olhando genes mais conservados. Sendo assim, as amostras comensais, em sua grande maioria, pertencentes aos grupos filogenéticos A e B1, e as amostras causadoras de colibacilose agrupadas principalmente nos grupos E, F e, em menor grau, no grupo B2.
Portanto, quando usada apenas a caracterização de APEC, cerca de um terço das amostras foram isoladas de lesões, mas não eram caracterizadas como APEC.
Agora, quando os isolados de E. coli, além de testados para os preditores mínimos de virulência de APEC forem associados a metodologia de filotipagem de Clermont, é possível avaliar com mais assertividade o perfil epidemiológico de casos de colibacilose dentro de um sistema de produção avícola.
Com isso se sabe, por exemplo, que se for detectada uma cepa APEC positiva e pertencente ao grupo B2, há sério problema na granja e medidas mais enérgicas devem ser tomadas para o seu controle.
Por outro lado, a identificação de uma cepa APEC negativa e do grupo B1 sugere um problema com uma bactéria comensal não patogênica, e as medidas de controle poderão ser diferenciadas.
Protocolo simplificado para diagnóstico de E. coli patogênica para avesColeta do material biológico diretamente das lesões.
Isolamento da E. coli em meios diferenciais e seletivos, seguidos da identificação bioquímica.
Detecção de fatores de virulência por PCR para caracterizar a cepa isolada como uma APEC ou comensal.
Subtipagem das cepas APEC positivas realizada por PCR através do esquema de Clermont para determinação do filogrupo.
Antibiograma e/ou determinação de concentração inibitório mínima (CIM).
Ferramentas práticas de diagnóstico e controle
O controle da colibacilose é complexo e demanda ações sistemáticas que se iniciam pelo correto diagnóstico da doença. O diagnóstico deve ser realizado inicialmente pelo isolamento do agente em meios diferenciais e seletivos, seguido da identificação bioquímica.
A confirmação do diagnóstico é realizada com auxílio de técnicas moleculares e a reação de PCR é o meio mais rápido e eficaz para a detecção dos genes de virulência preditores de APEC e em seguida a determinação do filogrupo.
Exames adicionais como, por exemplo, a realização de um antibiograma e teste de concentração inibitória mínima (CIM) também podem auxiliar na escolha adequada do tratamento e são recomendados.
A correta caracterização das amostras de APEC permite uma melhor compreensão da patogenia da colibacilose e poderá, quando bem aplicada, auxiliar nas medidas de tratamento e prevenção da doença, diminuindo a taxa de mortalidade e condenação das aves e, consequentemente, reduzindo as perdas econômicas.
Referências Bibliográficas sob consulta junto aos Autores.