08 jun 2017

Redução do uso de antibióticos na produção animal: desafios do Brasil

O assunto foi tema de uma mesa redonda realizada no último mês de maio, durante a 34ª Conferência FACTA (Fundação Apinco de Ciência e Tecnologia Avícolas)

A conjuntura mundial coloca a redução do uso de antibióticos como um caminho sem volta. E apesar de ser um debate que vem ocorrendo há pelo menos duas décadas, ainda impõe grandes desafios para muitos países. Numa decisão histórica, no último mês de abril, o Conselho Internacional de Avicultura (IPC, sigla em inglês) adotou uma posição global pelo uso responsável e eficaz de antimicrobianos na produção avícola mundial.

Os países associados ao IPC, entre eles o Brasil, concentram 84% da produção avícola mundial. A decisão resguarda a eficácia do uso de antimicrobianos, ao mesmo tempo em que trata sobre resistência a antimicrobianos, bem-estar animal, segurança do alimento e preocupações dos consumidores.

O assunto foi tema de uma mesa redonda realizada no último mês de maio durante a 34ª Conferência FACTA (Fundação Apinco de Ciência e Tecnologia Avícolas). O debate reuniu o Dr. Nilton Lincopan, professor e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP), o consultor independente especializado em soluções para a indústria de alimentos, Leonardo Vega, o diretor comercial da Fazenda da Toca Orgânicos, Fernando Bicaletto, e a médica veterinária, representante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Maria Cristina Bustamante.

Lincopan é responsável por uma pesquisa desenvolvida entre junho de 2013 e maio de 2015 (publicada em abril de 2016), que levou à identificação do gene mcr-1, que causa resistência à Colistina (polimixina E), classe de antibióticos utilizados para tratar infecções por bactérias multirresistentes.

O pesquisador alertou sobre o uso da Colistina como promotor de crescimento em diferentes animais de produção no Brasil, com a autorização do Ministério da Agricultura. Segundo ele, existe um relato de 2012, na Faculdade de Medicina Veterinária da USP, do gene mcr-1 identificado em cepas da bactéria Escherichia coli, isoladas de animais de produção. Em 2016, os pesquisadores também reportaram o primeiro caso de infecção humana no Brasil, em um hospital de alta complexidade em Natal (RN).

O pesquisador afirma que, precisamente, países com grandes problemas de superbactérias são os mesmos que têm altos índices de utilização de antimicrobianos na produção animal. “E o Brasil é o terceiro país que mais utiliza antibiótico na produção animal”, frisou. Para ele, é urgente a criação de um programa nacional de vigilância de resistência, tanto na medicina humana como na veterinária.

Lincopan levantou algumas iniciativas necessárias como reduzir, na criação animal, a necessidade de antimicrobianos através da otimização das condições de criação, e reduzir o uso subterapêutico no agronegócio.

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Na medicina humana, o pesquisador apontou a necessidade de ações educativas sobre o uso racional de antibióticos tanto junto à comunidade como a profissionais. Destacou também como prioridade melhorar a prescrição, tornar obrigatória a realização de antibiograma para casos de infecções comunitárias e melhorar as políticas de infecção hospitalar e utilização de antimicrobianos.

Regulação ABF

Segundo o consultor independente, Leonardo Vega, hoje o Brasil não tem uma regulamentação clara sobre produção Antibiotic Free (ABF). A solução, segundo ele, é a busca de caminhos alternativos como selos e requisitos privados.

“O que a gente tem, de fato, é a permissão do Ministério da Agricultura para usar alguns aditivos que podem ser substitutos dos antibióticos e também, por parte do Ministério da Saúde, da Anvisa, temos a obrigação de comprovar o que estamos propagandeando nos rótulos”, afirmou.

Sobre o uso de aditivos na ração, o consultor fez referência à Instrução Normativa 13, de 2004, alterada pela IN 44/15, que permite probióticos, ácidos orgânicos, enzimas e óleos essenciais para substituir os antibióticos promotores de crescimento.

Já sobre a regulamentação internacional, Vega citou o regulamento europeu que baniu o uso de antimicrobianos como promotores de crescimento e que também classifica os aditivos permitidos. E informou que na Suíça, o sistema de certificação chamado Alo Free exige, dos países exportadores de frangos e perus, segregação desde a fábrica de ração.

“O Brasil, por atender diversos mercados, está muito acostumado a trabalhar com diferentes demandas, em vários níveis de exigência”, afirmou. “Nós podemos seguir utilizando os antibióticos, que são muito importantes para controlar a sanidade dos plantéis e a saúde pública, ou utilizar essa brecha que o mercado está nos dando para aportar para os consumidores produtos diferenciados”, concluiu.

Produção orgânica

Diante do cenário que se apresenta, a produção orgânica encontra uma oportunidade para se expandir. O diretor comercial da Fazenda da Toca Orgânicos, Fernando Bicaletto, apontou algumas tendências de comportamento de consumidores, apuradas a partir de um levantamento feito em 60 países.

Entre elas estão a consolidação do consumo consciente, ou seja, preocupação sobre de que forma o produto consumido impacta o planeta; a preocupação com bem-estar e saudabilidade; e o retorno às origens, que leva à valorização do alimento básico, da comida caseira.

Bicaletto também falou sobre os preços dos produtos orgânicos no Brasil, que segundo ele ainda são uma barreira para o crescimento desse mercado. Num comparativo com Estados Unidos e Reino Unido, o Brasil, segundo ele, é o que apresenta maior variação nos preços dos ovos orgânicos, comparado aos ovos tradicionais, custando de 100 a 300% mais caro.

Outro dado apresentado pelo representante da Fazenda da Toca demonstra que, enquanto nos EUA a participação de ovos livres de antibióticos no mercado global de ovos é de 4,7%, no Reino Unido essa taxa é de 1% e no Brasil cai para 0,3%. “Como a categoria de ovos especiais vem crescendo entre 30% a 40% ao ano, segundo dados das redes varejistas, se chegarmos ao mesmo percentual de participação dos EUA nos próximos anos, teremos condições de crescer de 15 a 27 vezes o nosso faturamento”, ponderou.

Um dos desafios, segundo Fernando, está na produção de grãos orgânicos, que é insuficiente para atender a demanda. “Existem vários estudos em andamento para reduzir a dependência de grãos, assim como o trabalho conjunto dos produtores de orgânicos para expandir novas áreas geográficas de plantio”, afirmou.

A redução dos custos de produção, que envolve o desenvolvimento de tecnologia de plantio orgânico, é outro desafio a ser enfrentado pelo setor. Segundo Bicaletto, o custo da produção de ovo orgânico é de 90 a 120% mais cara que a do convencional, basicamente pelo consumo de ração que é maior já que as aves são livres.

“Mas essa mudança veio para ficar, essa questão da preocupação com o bem-estar individual e a sustentabilidade do planeta é cada vez mais crescente”, alerta Bicatello. “É um sinal claro para a indústria sobre a necessidade de buscar alternativas eficientes para tornar o produto orgânico mais acessível, mas que a demanda está aí e vai crescer, isso é inevitável”, concluiu.

Regulação de orgânicos

Maria Cristina Bustamante participou, de 2010 a 2016, da coordenação agroecológica no Ministério da Agricultura, na divisão de garantia da qualidade orgânica de produtos e processos. Segundo ela, o instrumento legal que regula a produção orgânica é a Lei 10831/2003 e a Instrução Normativa que regula a produção primária animal e vegetal é a IN 46/2011.

Ela realizou um extenso detalhadamente dos desafios a serem enfrentados em oito quesitos da produção orgânica animal: alimentação, suplementação, medicação, sanitização, ambiente de criação, animais, rastreabilidade – classificada por ela como o coração da produção orgânica- e regularização dos produtores. Também foram apresentadas ações necessárias detectadas pelo Ministério para cada ponto levantado.

A questão da alimentação, segundo Maria Cristina, certamente é a mais crítica. “Nós temos um país tomado por uma produção de milho geneticamente modificado e ele não pode fazer parte da alimentação de um animal orgânico”, afirmou. Segundo ela a Embrapa é vem desenvolvendo estudos na busca de fontes alternativas de nutrição, porém, é necessária a ampliação das áreas produtivas.

Segundo o mediador da mesa de debates, Edir Nepomuceno Silva, que compõe o Conselho Curador da FACTA e presidente da World’s Poultry Science Association (WPSA), “embora o Ministério tenha algum conhecimento do que deve ser feito, estamos muito longe de passar para a questão operacional e normatizar esse ponto”.

Da Redação

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